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Diga-me Com Quem Andas Que Direi Quem És: Porque ESG Tem Que Se Tornar ES(E)G

Publicado 07.05.2021, 16:05
Atualizado 09.07.2023, 07:32
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No último ano, o termo ESG (Environmental, Social and Governance – ou em português ASG) avançou de vez para ocupar o espaço cujo antigo dono era a Sustentabilidade Corporativa, ou simplesmente Sustentabilidade. Mas qual a diferença entre estes dois termos? Devemos efetivamente adotar ESG de agora em diante?

Sustentabilidade corporativa tem origem no termo triple bottom line de John Elkington (1994), que desafia modelos de negócio a acrescentarem ao lucro econômico a possibilidade de gerarem também lucro social e lucro ambiental. Até que ponto algum modelo inovador já conseguiu gerar lucro social e lucro ambiental é polêmico, mas deixemos este assunto para uma próxima oportunidade. A questão é que as esferas social e ambiental são o ponto de interseção entre sustentabilidade e ESG – mais especificamente o ‘E’ e o ‘S’ da sigla (criada por Raj Sisodia em 2008). Então, a diferença está no ‘G’ de Governança, e é neste elemento que concentro o artigo de hoje.

O ‘G’ de Governança chama atenção para a forma como o processo decisório flui na empresa e sua transparência. Vivemos na Era da ‘Super Transparência’, de acordo com Robert D. Austin e David M. Upton. Logo, não basta mais ser, tem que parecer. Especialistas em governança e transparência têm focado nas relações entre alta gestão e equipe, entre alta gestão e conselho, e na relação entre a empresa e seus acionistas (por exemplo, no tratamento dispensado aos minoritários).

Porém, chamo a atenção para a necessidade de ampliar este conceito de Governança para o que denomino ‘Extended Governance’ ou ‘Governança estendida’, para incluir não apenas estas relações internas, mas as relações ao longo da ‘supply chain’ (cadeia de suprimentos). Nos últimos anos, acidentes e escândalos envolvendo impactos negativos à sociedade e ao meio-ambiente têm exposto empresas de diversos setores, desde o setor de eletroeletrônicos a partir de suicídios de funcionários em fornecedores na China na década passada, passando por marcas de moda depois do Rana Plaza, Bangladesh que em 2013 matou mais de 1 mil pessoas, até o escândalo da carne de cavalo misturada em produtos de carne bovina que afetou varejistas e redes de fast food de alimentos na Europa no mesmo ano. De lá para cá, poderíamos seguir listando escândalos que colocam o holofote onde ele deveria estar: para além dos muros da firma e ao longo de sua cadeia de suprimentos. Para tanto, proponho a adaptação do termo ESG para o termo ESEG – Environmental, Social and Extended Governance.

Três estudos do nosso grupo de pesquisa “Rede Transparência e Sustentabilidade em Negócios” no COPPEAD-UFRJ trazem duas más notícias e uma boa notícia para investidores que gostariam de fazer escolhas baseadas em uma perspectiva ESEG. Vamos a elas...

A primeira má notícia é que a ausência de regulação e de enforcement adequados deixa um vácuo institucional que permite que muitas empresas naveguem abaixo do radar. Nosso estudo publicado em 2019 analisou 208 casos no Tribunal Superior do Trabalho ao longo de duas décadas julgados sobre o tema de terceirização e condições de trabalho. O estudo mostra que a legislação permite responsabilidade turva, em que empresas conseguem escapar de problemas em suas cadeias produtivas, mas que cada vez mais a jurisprudência avança para responsabilizar a ponta que terceiriza (e muitas vezes ‘quarteiriza’). Apresentamos ainda o que chamamos de acessibilidade inóspita, já que os dados estão disponíveis, mas o acesso é difícil, impedindo que um investidor, por exemplo, tenha informação adequada para tomar decisões.

A segunda má notícia é que a maioria das empresas não está preparada para a uma gestão transparente do supply chain. Em 2019, fizemos uma pesquisa com 112 gestores de suprimentos e logística de diversos setores econômicos. A maioria tinha mais de cinco anos em posição de gestão e mais de sete anos de empresa, logo um grupo qualificado para responder sobre questões estratégicas. Para nossa surpresa, menos de 15% responderam que suas empresas tinham visibilidade plena de sua cadeia de suprimentos. A maioria apontou responsabilidade social e ambiental como dois dentre os três maiores riscos. Por fim, quase a totalidade destes gestores disseram que não consideram seu time preparado para lidar com o ferramental analítico necessário (tecnologias de coleta e análise de big data) para reverter este quadro. É importante notar que sem visibilidade e monitoramento do supply chain, uma empresa não pode se dar ao luxo de decidir aumentar transparência para stakeholders que demandem isto dela.

Para não finalizar só com desafios, a boa notícia vem de um terceiro estudo que recém finalizamos. Em primeira mão, divulgo aqui alguns resultados. Analisamos 220 relatórios de sustentabilidade publicados entre 2016 e 2018, relativos a 88 empresas brasileiras de 25 setores da economia para entendermos o quanto estas empresas divulgam dados referentes à gestão do supply chain. Cruzamos estes dados com as recomendações feitas pelo Global Reporting Initiative (GRI) e verificamos a correlação com um conjunto amplo de indicadores de pressão de stakeholders, incluindo Governo, consumidores, ONGs, funcionários, investidores e credores, além de variáveis de controle, como porte da empresa. O primeiro fato curioso é que não identificamos diferença de desempenho entre setores econômicos, ou seja, as melhores empresas estão espalhadas ao longo dos setores e não concentradas em algum setor mais avançado. O segundo fato de destaque é que os fatores preponderantes em empresas líderes na transparência da gestão da cadeia produtiva são quatro: credores de longo prazo, participação no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), adoção do padrão GRI e porte da empresa. Note como estes quatro aspectos desenham um perfil das líderes: empresas que buscam qualificação para compor o ISE; que buscam capacitação para adoção do padrão GRI (e possivelmente de outros padrões); que priorizam credores de longo prazo na sua estrutura de capital, e finalmente; empresas de maior porte – o que possibilita investimentos necessários para este conjunto de escolhas estratégicas. Ou seja, no vácuo regulatório, algumas empresas estão saindo na frente de outras na governança estendida.

A onda ESG já chegou. Mas quando a onda ESEG chegar, quem anda em má companhia vai ter que oferecer uma boa desculpa. Da mesma forma, quem esconde a parte mal resolvida de sua cadeia produtiva vai cada vez ter menos tempo para adaptá-la às novas demandas. Se você gerencia ou controla empresas, recomendo incorporar a gestão da cadeia produtiva na elaboração do relato de sustentabilidade o quanto antes. Se você investe em empresas, fique atento a como elas gerenciam sua cadeia de suprimentos e analise a aderência das investidas a índices e padrões de relato, se seu objetivo for investimento de longo prazo.

* Dr. Leonardo Marques é Professor do COPPEAD-UFRJ e Coordenador da Rede Transparência & Sustentabilidade em Negócios apoiado pela FAPERJ. PhD pela University of Manchester, Mestre pelo COPPEAD-UFRJ e Bacharel pela POLI-UFRJ. Professor visitante da Audencia Business School (2018-2020) e da Politecnica de Milano (2021). Vice-Presidente do IPSERA International Purchasing and Supply Education and Research Association. Sua pesquisa foca em ESG, transparência e sustentabilidade no supply chain.

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