O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, transmitiu uma mensagem clara aos políticos da União Europeia (UE) na quinta-feira: se vocês não gostam de juros negativos ou compras de títulos, comecem a gastar dinheiro e cortar taxas.
“Está na hora de a política fiscal mudar”, declarou Draghi na coletiva de imprensa posterior à reunião de política monetária do conselho dirigente do BCE.
Em uma admoestação velada à Alemanha, o extrovertido chefe do banco central pediu que “governos com espaço fiscal" tomassem uma ação contra o enfraquecimento da economia europeia e os riscos de queda.
Pacote de estímulo
Enquanto isso, o BCE prosseguiu com seu amplamente aguardado pacote de medidas, cujo objetivo é oferecer o máximo de estímulo monetário possível, ainda que na extremidade inferior dessas expectativas. Draghi justificou a ação com uma perspectiva econômica pessimista, provocada por disputas comerciais e por uma inflação insistentemente baixa.
A taxa de depósito para os bancos, que permanecia inalterada desde 2016, foi reduzida em apenas um décimo de ponto percentual, para -0,5%. Como esperado, o banco central declarou que retomará as aquisições de títulos em novembro, mas apenas ao ritmo de €20 bilhões por mês, em vez da expectativa de €30 bilhões a €40 bilhões.
Mas Draghi não estabeleceu uma quantidade absoluta ou um prazo determinado, dizendo que as aquisições continuariam enquanto fossem necessárias, provavelmente até que o banco central estivesse pronto para elevar os juros novamente, o que os participantes do mercado interpretaram como equivalente a “para sempre”.
O banco central também afrouxou os termos das suas operações de refinanciamento de longo prazo direcionadas, a fim de incentivar os empréstimos bancários. A instituição introduziu taxas escalonadas para bancos parcialmente protegidos da taxa de depósito negativa, mas a quantidade excluída foi tão pequena que fará pouca diferença.
Alemanha em foco
Há poucas dúvidas de que Draghi estivesse gastando saliva ao exortar a Alemanha a gastar mais dinheiro. Berlim tem resistido a atender aos apelos de todos, desde os EUA até o Fundo Monetário Internacional e a OCDE, para recorrer ao déficit orçamentário a fim de estimular a economia europeia. A Alemanha, em vez disso, tem se dedicado a manter um orçamento equilibrado.
É previsível, portanto, que a reação na Alemanha às decisões do BCE tenham sido rápidas e negativas. O diretor da poderosa associação bancária, Hans-Walter Peters, afirmou que Draghi é como um motorista que inadvertidamente entra em um beco sem saída e, ao invés de dar meia volta, afunda o pé no acelerador a toda velocidade.
Também há poucas dúvidas de que Jens Weidmann, chefe do banco central alemão e membro do conselho dirigente, e Sabine Lautenschläger, membro alemã do conselho executivo, se opuseram à fala de Draghi nas deliberações do conselho, assim como alguns outros membros.
Amplo apoio
Contudo, Draghi se empenhou em dizer que havia amplo apoio às ações do BCE, mesmo diante de certa “diversidade de visões” sobre as compras de títulos.
Muito se especulou sobre quão prospectivas seriam as projeções, a ponto de atar as mãos da futura presidente Christine Lagarde durante meses, senão anos.
Mas Lagarde em várias oportunidades já pediu à Alemanha e outros países europeus que realizassem estímulos fiscais durante seus anos à frente do Fundo Monetário Internacional e já concordou com os planos do BCE de estímulo monetário, portanto parece que ela está na mesma página que Draghi.
A Alemanha pode se enfurecer o quanto quiser com o banco central, que insiste em manter localizado em Frankfurt. O país tem apenas dois votos no conselho dirigente de 25 membros e se defrontou com uma intransponível parede de oposição quando tentou alçar Weidmann à presidência.
Deixando nas mãos de Lagarde
Não é por acaso que a próxima presidente do BCE será francesa. Se a Alemanha deseja uma política de maior aperto monetário, precisa começar a fazer sua parte.
A chanceler alemã, Angela Merkel, reiterou o compromisso do seu governo com um orçamento equilibrado no início desta semana, embora seu ministro de finanças, Olaf Scholz, tenha dito que Berlim está pronta para gastar bilhões se a Alemanha ou a Europa entrarem em recessão. Mesmo que Scholz esteja meio certo, pode ser que seja muito pouco e tarde demais.
Draghi, em suma, chamou a Alemanha para a briga, mas deixará que Lagarde enfrente o duelo.