Calor e umidade
Nasci, cresci e trilhei parte importante de minha carreira em Porto Alegre. Todos os anos, no verão, a história se repetia: quando recebia, no escritório, alguém de outro Estado, o primeiríssimo comentário era a respeito do calor infernal que faz naquela cidade. A ideia de que o clima no Rio Grande do Sul é ameno o ano inteiro é, talvez, uma das ideias mais equivocadas que o resto do país tem a respeito do meu Estado natal: Porto Alegre fica praticamente ao nível do mar, às margens do Guaíba — que até hoje não sei ao certo se é rio, lago ou estuário. De dezembro a março, pode chegar a fazer 40 graus com 100% de umidade: imagine o desespero do gestor de fundos carioca que esperava sair do Rio e encontrar um friozinho... As noites são quentes e, a depender de onde se estiver, ouve-se o tilintar de insetos em uma agitação sem fim. Tudo muito diferente das ideias comuns acerca do bioma local.
Daqueles dias e noites quentes, minha memória mais vívida é olfativa. Aquela massa quente, por vezes, tinha um cheiro muito característico — algo de terra molhada misturado com não sei o quê. Era inevitável: horas depois, aquela desconfortável massa morna de ar denso era irrompida por uma chuva torrencial, digna de floresta tropical. Muito cedo aprendi: o tal cheiro era de chuva.
Na falta de más notícias, mercados internacionais em alta. Bons resultados corporativos nos EUA e na Europa levam aqueles mercados a, respectivamente, renovar a máxima histórica e recobrar níveis pré-Brexit. Petróleo para cima, com investidores apostando que estímulos globais serão suficientes para que a oferta recorde seja bem absorvida.
Ouço os insetos tilintando neuroticamente. O ar é denso e pesado. O céu é de um azul sem fim, mas sinto cheiro de chuva. E isso me incomoda.
Liquidez sob alta pressão
Vivemos um momento de monstruosa liquidez global. Os retornos dos ativos ditos “seguros" mundo afora são simplesmente punitivos, portanto o dinheiro corre para apostas mais ousadas. É o já famoso TINA: "There Is No Alternative". A crença generalizada de que simplesmente não há outra coisa a se fazer é a desculpa perfeita para se fazer besteira. Exemplos, não faltam.
Como para outros emergentes, o fluxo de recursos para o Brasil tem sido voraz. A valorização do real ante o dólar já está na casa de 20 por cento no ano. BC resolveu ser mais ativo, mas sinceramente? É como ficar em frente ao bocal de uma mangueira de bombeiro jorrando água a pressão máxima. Já há quem considere perfeitamente factível dólar abaixo dos 3 reais — quem seguiu o conselho do Felipe e comprou put de dólar deve estar sorrindo de orelha a orelha.
Se assim for, como será? Eu olharia com cuidado para as empresas que vendem em dólar. O primeiro pensamento é papel e celulose, mas não pararia por aí: diversas companhias se valeram das exportações para compensar um mercado doméstico fraquíssimo e, assim, sustentar resultados. É evidente que o dólar voltou muito mais rápido do que a demanda doméstica, o que pode se traduzir em resultados mais magros nos próximos trimestres. Não me refiro ao terceiro tri, talvez sequer quarto — lembremo-nos que, via de regra, o pessoal faz hedge de dólar. Mas os efeitos podem aparecer no 1S17 e, em meio ao frenesi da bolsa, os investidores mais pé-no-chão poderão começar a precificar isso.
Abençoe-me, padre, pois eu pequei
“Gostaria de parabenizar a Empiricus pelo Melhores Fundos de Investimento. Muitas vezes, por puro comodismo, acabamos alocando nossas economias mal e, no longo prazo, as consequências podem ser muito altas. Espero ansiosamente pelas próximas recomendações!"
Seria somente mais um cliente satisfeito? O nome me pareceu familiar… fui dar uma olhada no LinkedIn e descobri que se tratava de uma das minhas ex-gerentes de banco.
E detalhe: ela AINDA É gerente de um desses bancões do Esquadrão da Taxa Abusiva.
Dez pais-nossos, no mínimo.
Queda de braço
A meta fiscal está quase indo para as cucuias. Em meio a bondades distribuídas (um mal necessário?) e impasses no Congresso, a programação orçamentária do governo já aponta que o poço do orçamento desse ano pode ser mais fundo.
Já disse, e volto a dizer: o momento atual, às vésperas da votação parlamentar mais importante desde pelo menos 2003, é absolutamente perfeito para chantagens. Os parlamentares têm todos os incentivos do mundo para isso. São como a criança que se joga no chão, aos berros, no meio do supermercado, com o objetivo explícito de constranger o pai ou a mãe e conseguir o que quer. O que eu quero — e muito — acreditar é que, findo o período da interinidade, Temer falará mais grosso.
Por aqui, continuamos acreditando que há mais a ganhar apostando no melhor cenário: cremos o retorno a uma trajetória da responsabilidade fiscal, com efeitos positivos na ponta longa da curva de juros.
Mas reconheço: a queda de braço está sendo mais difícil do que eu gostaria.
Um de meus maiores erros
São raros os que têm coragem de falar dos calls que já erraram. Pois bem, vou contar um.
Em 06/09/2013 (seta amarela), ele enfim deixou a presidência do Conselho do Pão de Açúcar (SA:PCAR4). Em 07/10/2014 (vermelha), vendeu suas últimas ações. Jean-Charles Naouri assumiu, enfim, as rédeas da companhia.
De lá para cá, se vão mais de 50% do valor de mercado, em grande parte por decisões estratégicas simplesmente equivocadas. Não é a toa que os acionistas (tanto os daqui quanto os do Casino, que é listado em Paris) estão furiosos. Para coroar, a fraude em Cnova.
Palavras minhas, em 2011, em uma conversa com o gestor do fundo para o qual trabalhava: “Esse cara é um encrenqueiro. Brigou com os irmãos, brigou com o Sendas, brigou com os Klein… toca a companhia como se fosse o Luis XIV. Agora, que é hora de largar o osso, vem com essa gracinha de costurar um M&A pelas costas do sócio. Não é à toa que os franceses estão fulos da vida. Não vejo a hora que isso tudo acabe.”