Nesta semana, analiso a performance dos 100 papéis mais líquidos da bolsa (constituintes do IBrX 100) em 2020, correlacionando esta métrica com duas medidas de risco diferentes e complementares: risco de mercado e risco específico. O primeiro mensura como o papel se comporta frente às oscilações da bolsa como um todo e por isso chamamos de risco de mercado. Este risco é medido pelo beta de cada ação individual: quanto maior o beta de um papel, maior o seu risco de mercado. Betas acima de 1 sugerem oscilações mais fortes do que o mercado, para cima ou para baixo, enquanto betas negativos indicam que o papel tem tendência de movimento contrário ao mercado (servindo, portanto, como um hedge na carteira). Entretanto, infelizmente nenhum papel tem beta negativo na bolsa brasileira.
Por sua vez, o risco específico tem a ver com as peculiaridades da empresa que o papel representa e pode ser capturado pela variação de preço não explicada pela variação do mercado. Este risco também é conhecido como volatilidade específica e é inegavelmente importante para investidores pequenos, mas que buscam alta performance com uma carteira de poucas ações. Claro que advogo em minhas aulas por carteiras bem diversificadas, nas quais o risco específico tende a reduzir bastante, mas na prática e em um mercado ainda em desenvolvimento como o nosso, não dá para dizer que este risco é totalmente diversificável. E lembrando que se o investidor acertar a mão em sua análise fundamentalista, maior risco específico pode gerar maiores altas!
Na tabela abaixo, apresento os seis papéis com maiores betas, ou seja, aqueles que demonstram em 2020 os maiores níveis de risco de mercado. As volatilidades específicas apresentadas são ao dia. Para efeito de melhor comparação, coloco na tabela o retorno relativo ao Ibovespa para observarmos a performance do papel relativo ao mercado.
Interessante notar que metade dos papéis de maiores betas está abaixo do Ibovespa (AZUL4, GOLL4 e CVCB3), ao passo que a outra metade apresenta rentabilidades de destaque. O que explica isso? Claro, o risco específico de cada papel. Notem que todos eles têm risco específico alto (dentre os dez maiores), o que os projeta para este topo da lista. E as atividades do negócio de cada papel explicam a distinção entre os que estão abaixo e aqueles que estão acima do Ibovespa.
Já na parte inferior do ranking, com os papéis de menores betas, temos todos eles com rentabilidades maiores que o Ibovespa em 2020. Isso faz sentido, pois um beta baixo representa dizer que o Ibovespa puxa esses papéis para baixo com menos força. Além disso, cinco dos papéis abaixo têm risco específico relativamente baixo, impedindo quedas mais bruscas que o Ibovespa. E, no caso da SUZB3, o alto risco específico a ajudou em 2020, por conta, dentre outros fatores, da alta do dólar durante boa parte do ano até aqui.
AÇÃO DE MAIOR RISCO ESPECÍFICO: acertou quem pensou em IRBR3. Este papel vem apresentando em 2020 uma volatilidade específica de incríveis 6,9% ao dia! Mas perceba como a matemática (ou estatística, se você preferir) nos revela a realidade: o IRB, de forma inequívoca, apresentou sérios problemas extremamente peculiares neste ano, ligados à transparência de sua gestão (tal como nenhum outro papel analisado). Além disso, seus resultados financeiros foram negativamente impactados pela alta do dólar (o que é bom para uns, pode ser ruim para outros).
PAPÉIS SIMILARES, PERO NO MUCHO: a análise pode nos revelar diferenças de comportamento mesmo para empresas com negócios similares. Vejamos a tabela abaixo:
Por um lado, BEEF3 e MRFG3 apresentam riscos específicos maiores, mas com betas bem diferentes: a primeira é menos puxada pelo Ibovespa do que a segunda. Os riscos específicos de ambas trabalharam positivamente, mas no caso da Marfrig houve uma assimetria positiva que a catapultou para uma rentabilidade significativamente acima da sua concorrente. Isto mostra como é importante separarmos o risco bom do risco ruim, tema que já abordei aqui. Aliás, entender o que queremos (risco bom) e o que não queremos (risco ruim) é fundamental e corroborado pela comparação entre JBSS3 e BRFS3. Apesar desses papéis terem praticamente os mesmos betas e riscos específicos muito semelhantes (até mesmo pelos negócios que conduzem serem similares), a BRF entrega em 2020 resultado bastante ruim enquanto a JBS se mantém ligeiramente acima do Ibovespa. O que explica essa diferença? A assimetria dos seus riscos específicos.
Forte abraço!
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, professor do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência privada e pública e finanças pessoais e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.