Diz-se que o ano novo no Brasil só começa depois do carnaval. De fato, os mercados domésticos devem fazer jus a essa crença popular na volta da folia no início da tarde desta quarta-feira (14). Os investidores devem guardar a fantasia e encarar a dura realidade: a luta contra a inflação nos Estados Unidos ainda não acabou.
Com isso, os cortes nos juros pelo Federal Reserve não começam em março, tampouco em maio. A aposta, agora, é de que o início será em junho. Essa mudança ocorreu ontem (13), após o índice de preços ao consumidor norte-americano (CPI) contrariar a previsão de desaceleração a 0,2% e repetir em janeiro a alta de 0,3% em dezembro.
Com isso, a taxa anual acumulou aumento de 3,1%, também acima da estimativa de +2,9%. Os preços estão salgados mesmo quando se excluem itens voláteis, como alimentos e combustíveis. O chamado núcleo do CPI subiu 0,4% no mês, avançando 3,9% no ano. A expectativa era de taxas menores, de +0,3% e +3,7%.
Mercados de ressaca
Em reação, as bolsas de Nova York sofreram um choque na terça-feira, com os três principais índices acionários caindo mais de 1%. Já o iShares MSCI Brazil (EWZ), principal fundo de índice (ETF) brasileiro, derreteu quase 3%. Portanto, o Ibovespa abre o pregão regular de hoje a partir das 13 horas tendo um ajuste negativo a fazer, sem disfarce.
A queda da bolsa brasileira deve acontecer, apesar do sinal positivo nesta manhã vindo dos futuros dos índices norte-americanos, que parecem buscar uma recuperação do tombo da véspera. A agenda econômica mais fraca do dia favorece esse movimento, antes de dados dos EUA sobre a atividade na indústria e as vendas no varejo, amanhã (15).
Ainda assim, a perspectiva de que os juros nos EUA vão cair mais tarde do que cedo tende a penalizar as ações globais. Ao mesmo tempo, o dólar se fortalece e o rendimento (yield) das Treasuries aumenta. Esse movimento deve contaminar os negócios locais, ajustando o cenário de que a taxa Selic encerrará o ciclo de queda mais perto dos dois dígitos.
Choque prolongado
Embora a aposta atual dos mercados seja mais realista do que a série de sete cortes nos juros dos EUA esperados até recentemente, a sangria dos ativos de risco deve continuar. O choque dos investidores pode ser mais prolongado, uma vez que ainda projetam quatro quedas na taxa a partir dos atuais 5,50%, encerrando 2024 em 4,50%.
Já o Fed mantém a previsão de apenas três quedas nos juros até o fim deste ano, a doses de 0,25 ponto, cada. Ou seja, o início do ciclo de cortes pode ser após o fim das férias de verão (no hemisfério norte), quando a autoridade monetária ainda terá três reuniões, capazes de contemplar um ciclo menos agressivo, além de mais demorado.
Assim, ainda que não se espere nenhuma queda livre da bolsa brasileira na volta deste carnaval na mesma proporção vista quatro anos atrás, vale lembrar o que aconteceu com o Ibovespa em outros carnavais para estar preparado quando novos choques atingirem os mercados globais. Afinal, como se sabe, crises financeiras são como tempestades.
Nesse caso, é possível perceber os sinais da chegada desse fenômeno atípico e até mesmo tentar antecipar os impactos que serão causados. Aliás, não é de hoje que a Bula do Mercado vem indagando quanto a essa mudança no horizonte. A ver se a melhor opção é mesmo esperar a tormenta passar até que a direção do vento mude e traga a bonança.