Nesta última semana o Ethereum Classic (ETC) tem passado por maus bocados. Ao que tudo indica, a moeda sofreu um ataque de 51%, ainda que alguns de seus desenvolvedores neguem. Um ataque de 51% ocorre quando um minerador adquire mais de 50% da capacidade de processamento e validações de transações, podendo validar transações falsas na rede.
De acordo com a Coinbase (NASDAQ:COIN), este ataque teria causado ao menos oito eventos de gasto duplo, quando duas transações idênticas são enviadas e validadas simultaneamente, somente para que depois uma delas seja abandonada, deixando o recebedor no prejuízo. Nestes eventos, estima-se que foram perdidos quase 220 mil ETC, quantia superior a um milhão de dólares pela cotação atual. Este é apenas mais um capítulo na história do Ethereum, uma história extremamente triste.
Criada pelo ucraniano Vitalik Buterin, o Ethereum foi a primeira criptomoeda a trabalhar com smart contracts, que nada mais são do que instruções if, then. Isso é, se x ocorrer, faça y. Por exemplo, se tratando de um agendamento de pagamento, poderia haver um smart contract operando da seguinte forma: “se a data de hoje for igual ao quinto dia útil do mês, transfira o montante x para a conta y”.
Pode parecer simples, mas essa é a lógica operacional que permite que computadores operem. Com isso, a esperança do Ethereum é que ele fosse se tornar um grande computador global, rodando aplicações descentralizadas e resistentes à censura no mundo inteiro. Essas aplicações são conhecidas como decentralized apps, ou dapps.
Para financiar a criação destes aplicativos foi criado o DAO: Decentralized Anonymous Organization. Através de um smart contract, o DAO arrecadou mais de 150 milhões de dólares para financiamento dos dapps. Entretanto, no dia 17 de junho de 2016 foi descoberta e explorada uma falha no smart contract do DAO, num hack que resultou na perda de 3,6 milhões de ETH, à época cotados em 50 milhões de dólares.
A comunidade do Ethereum então se dividiu: de um lado, Vitalik e alguns usuários que gostariam que os fundos fossem recuperados, pois o evento seria extremamente prejudicial para a reputação da rede; do outro, usuários e desenvolvedores que defendiam que o código deveria ser lei e o status da rede deveria ser mantido. Fiat iustitia et pereat mundus.
A ideia de aceitar um prejuízo de 50 milhões de dólares pode parecer absolutamente absurda, porém é condizente com a essência das criptomoedas. O Bitcoin foi criado justamente como revolta ao resgate dos bancos e instituições financeiras após a crise de 2008. Investimentos têm riscos e, se não deixarmos que os responsáveis por alocações perigosas de recursos paguem o preço por investimentos ruins, não há incentivo para que a tomada de risco seja mais responsável. Por essa lógica, o DAO precisava pagar.
Realizar um roll back da rede poderia abrir um precedente perigosíssimo para qualquer blockchain, uma vez que isso significaria a perda de uma das características mais importantes da blockchain, que é sua imutabilidade. Isso poderia fazer com que blockchains se mostrassem frágeis aos desígnios de terceiros, como governos e corporações. E no entanto, foi exatamente isso que Vitalik e uma série de desenvolvedores propuseram.
É importante ressaltar a relevância da influência de Vitalik para a rede e comunidade Ethereum. A moeda não é centralizada, Vitalik não recebe fundos ou taxas de transações e nem poderia ditar o rumo da moeda, mas ainda assim ele parece ser o porta voz oficial da comunidade. Nem mesmo Roger Ver tem influência similar na comunidade do Bitcoin Cash, ou Riccardo Spagni na comunidade do Monero. Vitalik é o semi-deus do ETH.
Por se tratar de um pseudônimo cujo portador é desconhecido, Satoshi Nakamoto não tem mais nenhum poder sobre o Bitcoin (desconsiderem o faketoshi Craig Wright e sua shitcoin “satoshi vision”). Isso é fundamental para garantir um debate igualitário na comunidade: no gods, no masters. Infelizmente o mesmo não acontece no Ethereum.
No dia 20 de julho de 2016, para reverter os prejuízos causados pelo DAO, parte da comunidade decide realizar um hard fork, apoiado por Vitalik. A comunidade passa então a se dividir em duas: o Ethereum (ETH), seguindo Vitalik e ressarcindo os usuários do DAO; e o Ethereum Classic (ETC), moeda natimorta destinada a ser shitcoin, que preservou a blockchain original e as perdas do DAO.
Não me entendam mal, no espectro ideológico da coisa estou 100% de acordo com a comunidade do Ethereum Classic. Há no entanto um grande problema em questão: criptomoedas são dinheiro, não ativos. E por isso mesmo, estão sujeitos a grandes problemas relacionados ao que se chama em economia de efeito de rede.
Você provavelmente não usa o Google+ como rede social, provavelmente não utiliza o Signal como aplicativo de mensagens e provavelmente não usa mais o Snapchat para enviar fotos e vídeos curtos. Provavelmente você utiliza o Facebook (NASDAQ:FB), o Whatsapp e o Instagram, não pela superioridade tecnológica, mas sim por um fator bem simples: é o que todo mundo usa.
De maneira geral, a utilidade e o valor de uma rede aumentam de acordo com o aumento de seus usuários. Este é o efeito de rede. E dinheiro é o maior efeito de rede de todos: ele só tem valor se outros aceitam como meio de pagamento. É possível que, caso se insista, consiga-se pagar compras e serviços no interior do Brasil utilizando dólares ou euros ao invés do real, moedas conhecidas e com alta liquidez no mercado. Entretanto, estou certo de que ninguém aceitaria um franco suíço como forma de pagamento, ainda que seja uma moeda mais forte. Serviços que sofrem de um grande efeito de rede costumam ser casos de winner takes all, com muito pouco valor sendo deixado à concorrência.
Ao ser abandonado pelo seu criador e maior expoente, além de uma grande debandada da comunidade original, o Ethereum Classic estava fadado a morrer. Para piorar: partilhava de um mesmo algoritmo de mineração que uma grande moeda (ETH), o que facilita a migração de grandes mineradores que poderiam realizar um ataque de 51%, como infelizmente ocorreu.
Ataques de 51% não são novidade no mercado de criptomoedas, já tendo ocorrido com diversas shitcoins, como Verge (XVG) e Bitcoin Gold (BTG (SA:BPAC11)). O último caso é ainda mais tragicômico se lembrarmos que o fork que criou o BTG tinha como justificativa o temor que a centralização da mineração de Bitcoin através de ASICs (application specific circuits, equipamentos criados especificamente para mineração) tornasse a rede suscetível a ataques de 51%. Seus desenvolvedores criaram então um algoritmo que favorecia quem minerava através de placas de vídeo, permitindo que qualquer um minerasse BTG com eficiência. Aparentemente ASICs têm sua função na diluição de hash power, uma vez que o Bitcoin vai muito bem, obrigado, pois um ataque de 51% na moeda custaria mais de 8 bilhões de dólares.
Frequentemente recebemos requisições para começarmos a operar com outras criptomoedas, o que pretendemos fazer em breve. Porém é necessário compreender que nosso principal foco é nunca entregar prejuízo para nenhum de nossos clientes e, desde março de 2017 não tivemos sequer um dia de prejuízo. Por isso precisamos estudar cuidadosamente os ativos que operamos, evitando trabalhar com shitcoins que possam causar perdas aos nossos investidores.
E por falar em prejuízo, essa é a característica mais fantástica deste ataque ao ETC: apesar da perda de cerca de um milhão de dólares, a cotação da moeda praticamente não foi abalada. O ETC segue sendo negociado pelo mesmo preço de cerca de cinco dólares, mesmo após o ataque e mesmo após diversos desenvolvedores abandonarem o barco.
Algumas corretoras bloquearam a negociação de ETC para impedir perdas de clientes, o que poderia explicar a situação. No entanto, o preço despencaria em outras corretoras e vendedores P2P, o que não ocorreu. A única grande proposição de valor do ETC era a imutabilidade da rede, que foi perdida após o ataque. Se a perda da única proposta de valor de uma criptomoeda não fez o preço implodir, a única lição que podemos tirar é que criptomoedas morrem como o grande poeta T.S Eliot dizia que o mundo acabava: não com um estrondo, mas com um gemido.