“Se, após meia hora de jogo, você não identificar quem é o pato, é porque o pato é você.” O ensinamento do filme “Cartas na Mesa”, de 1998, faz referência ao pôquer, mas traduz muito bem como eu (que não entendo nada de jogatina) me sinto em temporada de Black Friday. Fico meio que na defensiva, desconfiada. Pesquiso o histórico de preços dos produtos, comparo, calculo frete, leio a letra miúda... repenso.
Certamente meu receio de comprar por impulso ou de levar algo “pela metade do dobro” já me impediu de aproveitar boas oportunidades, mas tudo bem. Até porque trata-se daquele tipo de erro que nós, leitores do Day One, aprendemos que podemos cometer, certo? O erro do tipo 2: tomar por falso algo que é verdadeiro.
Se você também convive com essa pulga atrás da orelha, seja bem-vindo(a). Assim como o consumidor, o investidor é bicho calejado, e não é por falta de motivos. Mas não tenha dúvidas de que, no mundo dos investimentos, ser desconfiado é uma baita vantagem — desde que isso não te paralise, claro.
Então, vamos combinar o seguinte: você faz uma triagem diligente das ofertas que chegarão nesta Black Friday enquanto eu adianto seu lado de investidor e conto sobre algumas ciladas disfarçadas de oportunidades que temos visto no universo dos fundos.
ARMADILHA #1: “VEM TOMAR UM CAFÉ COM A GENTE”
Tem sido frequente o relato de assinantes que receberam convocações de gestoras para participar de uma assembleia de cotistas “especial”. Como você pode imaginar, não é dos programas mais empolgantes — não é à toa que o quórum costuma ser baixo.
A finalidade tem sido avaliar uma proposta de cisão do fundo. Isso significa separar o produto no qual já se investe, por meio de distintas plataformas, e transformá-lo em um novo veículo, mas que continuará replicando a mesma estratégia do original. A diferença é que esse chamado fundo espelho será exclusivo de uma distribuidora específica.
E o que está por trás desse movimento? Antes, uma breve explicação. Hoje a portabilidade de fundos entre plataformas é permitida. Se você investe no fundo Y via XP, por exemplo, pode pedir para migrar suas cotas para outra distribuidora onde o produto também esteja disponível. A Anbima, inclusive, está empenhada em padronizar essas regras de transferência, que devem ser alvo de uma audiência pública no início do ano que vem.
A questão é que, quando se é cotista de um produto exclusivo, torna-se impossível fazer a portabilidade. Isso porque, após a tal cisão, o fundo ganha um CNPJ diferente. Resumo da ópera: a mudança limita o investidor, caso ele queira no futuro fazer uma migração para o mesmo fundo, mas em outra distribuidora.
É importante dizer que há uma série de motivações que podem levar uma gestora a abrir veículos espelho, como, por exemplo, ter maior controle sobre o passivo do fundo. Mas há a perda do direito de portabilidade, e acreditamos que essa desvantagem precisa estar muito clara para o investidor.
ARMADILHA #2: TRAGO O SEU AMOR DE VOLTA
Você provavelmente já ouviu falar no rebate, aquela comissão que as gestoras pagam às corretoras e aos bancos para distribuir seus produtos. Hoje, algumas casas como a Pi, do Santander (SA:SANB11), e o Banco Inter (SA:BIDI4) oferecem um sistema chamado “cashback”, em que parte dessa comissão é revertida para o cotista. Parece interessante, não?
Mas ainda há questões importantes em aberto nessa sistemática, que colocam em dúvida o real benefício financeiro para o cotista. Em termos de tributação, para citar um caso, se o valor revertido for classificado como renda, o investidor terá que pagar imposto sobre ele.
Esse eventual desconto do IR pode fazer com que o “cashback” esteja mais para uma ferramenta de marketing do que para benefício. É outro tema que está no nosso radar.
ARMADILHA #3: SATISFAÇÃO GARANTIDA OU TAXA ZERO
Depois dos Fundos Simples com taxa zero, volta e meia aparece pergunta sobre um fundo de ações “free” que surgiu no mercado, da Mint Capital. A regra do jogo é a seguinte: não existe taxa de administração. A equipe de gestão só ganha se o produto bater seu referencial, o Ibovespa. Nesse caso, a chamada taxa de performance será de 30%. A estrutura foge do padrão “2% com 20%” predominante na indústria.
Gostamos de taxa baixa? Opa! É bom negócio sempre? A resposta não é assim tão óbvia. No caso dos Fundos Simples, em que o trabalho do gestor é basicamente comprar títulos públicos, faz sentido a taxa zero. Mas o que dizer sobre a missão de selecionar empresas para se investir?
Temos dúvida sobre os efeitos colaterais dessa estrutura, como o gestor acabar tomando risco excessivo em busca de remuneração. Outro ponto: o momento é bom para a renda variável, mas e quando não for? Será que o time de gestão vai seguir firme? Rodízio de equipe não combina com investimento de longo prazo.