Nos últimos dias, uma onda de denúncias tomou conta das redes sociais e da imprensa: franqueados da Cacau Show acusam a empresa de práticas abusivas. Entre as reclamações, estão a cobrança de uma taxa não prevista em contrato para compensar a alta internacional do cacau (a chamada “taxa do cacau”), o envio forçado de mercadorias que não foram solicitadas, a obrigatoriedade de adesão a programas de fidelidade e até relatos de “rituais de iniciação” e exigência de tatuagens com símbolos da empresa.
Como era de se esperar, a repercussão foi imediata. A marca é gigante. E o seu fundador, Alexandre Costa (ou Alê Costa, como é chamado na mídia), também virou personagem central do noticiário.
Entre denúncias sérias e exageros performáticos
Uma coisa é fato: quando você vira vitrine, precisa estar preparado para virar alvo. No capitalismo hiperconectado de hoje, quem está em destaque será sempre a vidraça, e sempre haverá alguém querendo ser a pedra (com as pessoas se tornando megafones digitais).
Entre vídeos com títulos sensacionalistas como “A seita da Cacau Show” e “A conspiração sobrenatural do chocolate”, surgem influenciadores que parecem mais preocupados em morder um pedaço do engajamento do que de contribuir com o debate.
Mas há um inquérito aberto no Ministério Público do Trabalho de São Paulo, com base em denúncias formais feitas pela Associação União de Franqueados. Isso precisa ser levado a sério. A procuradora responsável já começou a apuração (ainda sem processo judicial aberto), mas com relatos concretos de franqueados e ex-funcionários, inclusive do resort Bendito Cacao, em Campos do Jordão.
Em nota, a Cacau Show negou as acusações, classificando-as como inverídicas e injustas: “Ataques à nossa história, aos nossos valores e, principalmente, às milhares de pessoas que constroem essa marca com integridade e amor”.
De loja modesta a parque bilionário
Hoje, são cerca de 4.650 lojas em todos os estados brasileiros, mais de 22 mil pessoas envolvidas diretamente com a operação e um faturamento que ultrapassou R$ 6,2 bilhões em 2024. Um feito impressionante.
Mas eu lembro de quando a rede ainda tinha umas 300 lojas. Em 2005, tentei ser franqueado. A sede era em Santana, com uma estrutura modesta. A área de expansão funcionava numa salinha com café e água (nem degustação de chocolate tinha). Depois de sugerir três pontos comerciais, todos rejeitados, desisti da ideia. Não virou. Fui cantar em outra freguesia.
E que bom, talvez. Porque de lá pra cá, o modelo cresceu muito e também mudou de natureza. Além do varejo de chocolates, a empresa agora expande seus tentáculos para o setor de hotelaria, entretenimento e turismo, com destaque para o Cacau Park - um parque temático de R$ 2 bilhões em construção no interior de São Paulo.
Franquia não é unanimidade (e nunca será)
Uma rede desse tamanho vai ter, sim, alguns franqueados descontentes. São milhares de lojas, milhares de pessoas diferentes operando com expectativas distintas. É gente demais para conseguir explicar o sistema perfeitamente a todos, revisar cláusula por cláusula, cobrar com o mesmo padrão e acompanhar de perto cada ponto comercial.
Não existe rede com 100% de satisfação. Se existir, por favor, me apresente que eu invisto agora! Toda marca relevante que cresce em escala lida com conflitos internos. O que separa uma crise controlada de um desastre é a forma como a empresa escuta, reage e se posiciona.
A internet não perdoa ruído. Um problema que antes ficava restrito a uma reunião ou a um e-mail mal interpretado, hoje ganha um palco nacional em minutos. E é aí que mora o perigo, tanto para quem denuncia, quanto para quem é denunciado. Por isso, me parece que precisamos de tempo para enxergar esses eventos com mais distanciamento e ver o real sentido dos ataques à marca e ao dono.
Franquia não é mágica. É trabalho. E muito.
O que eu aprendi sendo franqueado (de outro segmento, de lojas de cama, mesa e banho) é que franquia não é para quem busca vida fácil. Não é um atalho para a riqueza. E é um modelo com muitas travas e regras. Serve, talvez, para quem deseja reduzir alguns tipos de riscos, mas não todos.
Afinal, você entra com o capital, segue as regras, e no fim do dia pode estar agindo como um funcionário, mas sem salário fixo, sem férias, sem 13º. Só com as obrigações. Por isso, é preciso ler muito bem os documentos antes de assinar e se comprometer com a rede.
A promessa de sucesso fácil e lucros constantes geralmente vem acompanhada de muito trabalho pesado, gestão de equipe, negociação com a marca e risco financeiro. A realidade é bem menos açucarada que a embalagem
Hoje, a vida fácil talvez seja apenas para o dono da marca, que agora está expandindo seus tentáculos para hotelaria, entretenimento, parques e por aí vai. Mas, o cara comeu muita grama lá atrás, tomou dinheiro emprestado, se arriscou e chegou lá. Capitalismo é isso! Viva a liberdade e o empreendedorismo.