Por que as pessoas levam seus celulares para as reuniões? Será que não poderiam encontrar-se somente com o interlocutor presente, de corpo e espírito? Afinal, não há um terceiro convidado para a conversa.
Há dois tipos entre esses neuróticos. Os primeiros, mais discretos, deixam o aparelho sobre a mesa, alternando o olhar entre a pessoa à sua frente e o iPhone, inclinando o pescoço levemente para baixo e para a direita, onde repousa o hardware, a cada mensagem que pula dos vários contatos no WhatsApp. Os outros já são mais transparentes: fazem a reunião inteira com o celular na mão, respondendo às interações dos aplicativos enquanto fingem ouvir as palavras ali faladas. Combatendo a miopia, chegam a apertar os óculos com o dedo indicador contra o espaço entre as sobrancelhas. Para disfarçar o desprezo, de tempos em tempos, balançam a cabeça anuindo coisas que sequer escutaram, sorriem de canto de boca e, a cada dois minutos, dizem coisas como “que loucura”, “você tem toda razão”, “não acredito”, “este país não tem jeito”…
O mundo hoje é das relações superficiais, de uma certa dessocialização e desumanização do ser humano, um paradoxo em termos.
Como ficam os investimentos em ações se, no final do dia, ações são empresas e empresas, por sua vez, são feitas de pessoas? “Ah, mas temos os robôs, a inteligência artificial, a automação.” É verdade. Porém, toda a especificação e parametrização dos modelos automatizados é feita por pessoas. O robô pode até aprender, mas ele depende de um ser humano para ensiná-lo.
Vivemos na era da “Matemática para os Economistas” (Onde estão os livros só de Matemática?), do “curso relâmpago para curiosos e apressados” (repare na dupla referência à velocidade), dos doutores em Nietzsche, o filósofo da burguesia, depois de duas aulas na Casa do Saber, das buscas rápidas no Google e dos especialistas em qualquer coisa.
Todo conhecimento precisa vir em menos de cinco minutos – e se o tempo de carregamento da Wiki exceder oito segundos, já era. Desistimos daquele assunto, que nunca foi lá tão interessante assim. “Mobile first”, claro, responsivo aos demais, tudo resolvido com um clique.
Perdemos a capacidade de esperar. Somos todos desesperados (des = sem; esperados). E o desespero não pode compatibilizar-se com as decisões racionais de investimento.
Desde o famigerado experimento do Marshmallow, de Walter Mischel, descobriu-se que a paciência, o autocontrole e a disciplina estão associados ao melhor desempenho acadêmico e a maiores níveis de renda.
Como reconciliar uma geração que acha ser possível escolher ações na velocidade com que muda de séries na Netflix com a inexorabilidade do fato de que ações obedecem a ciclos empresariais, que, por sua vez, obedecem a ciclos econômicos de anos? Há um jeito de unir o mundo do one click com o investimento em ações?
O CFA Institute vai te dizer que não. Essa é a turma do politicamente correto. Ela leva o mercado financeiro a sério, sabe? Usa terno e gravata, confunde risco com volatilidade, nunca fez nada para popularizar a cultura de investimentos no Brasil, fala de coisas que não conhece e acredita na hipótese de ergodicidade. Ele é o sério, entende?
Trata investimento como ciência, pois desconhece por completo o que é ciência. E o desconhecimento é a raiz da arrogância. Efeito Dunning-Kruger: “unskilled and unaware of it!” (incompetente e desavisado).
Perguntas simples: o quanto você já foi impactado pelo CFA Institute Brazil? O quanto o CFA Institute Brazil conhece o tratamento dado pela SEC às publicadoras de conteúdo norte-americanas? O mercado de capitais brasileiro tem a ensinar ao mercado dos EUA? Ou seria o contrário? Jim Cramer seria permitido no Brasil?
Investimento não pode ser ciência. A essa, cabem somente dois tipos de método: o analítico-dedutivo e o indutivo.
Conforme muito bem delimitado por Descartes em “O Discurso do Método”, a dedução precisa obedecer a quatro regras claras. A primeira delas é a necessidade de aceitar uma coisa como verdadeira tão somente a partir da evidência. A ela, opõe-se a conjectura.
O engajamento no ato de se investir, no sentido de que compramos algo hoje esperando um valor maior amanhã, não se apoia em evidências. Essa é uma mera imposição lógica. Ao menos que seja de meu conhecimento, ninguém ainda encontrou evidências do futuro. Sobre ele, repousam apenas conjecturas. Portanto, ao engajar-se no investimento, não podemos estar sob o espectro do método analítico dedutivo.
Investir também não perfaz a segunda regra essencial de René Descartes, de que a análise pressupõe a divisão de algo complexo em porções menores, como forma de melhor se entender o todo. A complexidade e a impermeabilidade do futuro não vão ser alteradas se nos propusermos a quebrá-lo em partes.
Em não se enquadrando no método analítico-dedutivo, restaria ao investimento à possibilidade da indução para ainda ser enquadrado como ciência. No método indutivo, parte-se de casos particulares para uma generalização. Observa-se a repetição de um comportamento e, em determinado momento, acredita-se ter encontrado um padrão, uma regra geral que permite escrever uma teoria.
Eis o problema clássico de David Hume: quando podemos partir do particular para o geral? A partir de qual momento podemos classificar a repetição de um comportamento como um padrão definido, e não apenas como uma coincidência?
Se observamos cinco dias de Sol, podemos afirmar que o sexto dia também será ensolarado? Depois de três dias em queda, o Ibovespa vai cair de novo hoje? Se o Lehman Brothers sempre existiu, ela vai continuar existindo? Se o peru de Natal foi alimentado sem nenhuma volatilidade por 359 dias do ano, ele não será servido como jantar no 25 de dezembro, não é mesmo?
A resposta epistemológica ao problema da indução é o falseacionismo popperiano. Você nunca poderá afirmar que a repetição de um comportamento é um padrão a ser repetido sempre. Um único dia de chuva elimina por completo a ideia de que todos os dias são ensolarados, mesmo depois de um milhão de dias de Sol – não importa o tamanho a amostra de dias de Sol; pode mudar para zibilhão, você não pode dizer, do ponto de vista científico, que todos os dias vão ser de Sol.
Um único cisne negro basta para refutar a noção de que todos os cisnes são brancos. Essa é a ideia principal de Nassim Taleb, nossa maior referência. Logo, não estamos também sob a égide da indução.
Em não sendo dedutivo nem indutivo, o investimento não pode ser ciência. Ele circunscreve-se à arte, necessariamente, portanto, passando pela subjetividade do investidor – aqui subjetividade não no sentido cartesiano, mas no mais moderno e atual, ligado às particularidades do sujeito, com suas crenças, vieses, conjecturas, intuições. O pensar sobre o futuro não vai poder se apoiar em evidência, ele vai depender necessariamente da imaginação – e a imaginação, claro, não obedece ao escopo estritamente objetivo.
Recorro à minha subjetividade, então, para responder à pergunta objeto de análise: há como unir o investimento em ações com o mundo do one click?
Entendo que sim. Para isso, recupero a regra parettiana clássica, de que podemos ter 80% do resultado com 20% do esforço – para ser sincero, acredito que os percentuais aqui são até mais favoráveis.
Em vez de perder tempo vasculhando oportunidades raras em coisas complexas, vamos comprar ETFs de small caps mundo agora. É o jeito simples e rápido de capturar o perfil antifrágil e convexo das ações (perda máxima de 100 por cento em cada uma delas; lucro potencial infinito – daí não é subjetividade, é mera construção derivada da aplicação da lei de responsabilidade limitada).
Repito: a convexidade é o único almoço grátis disponível. Com o devido respeito a Carlo Petrini e seu slow food, almoço grátis é algo que conseguimos comer rapidinho.
Recado final antes das coisas mais mundanas deste dia de maldade: se você acredita em análise técnica e na capacidade de capturar movimentos de curto prazo (No creo en brujas, pero que las hay, las hay), talvez possa atender à sua subjetividade e comprar um tanto de Bolsa, em suas ações mais líquidas. Ibovespa tem respeitado com alguma disciplina a faixa entre 83 mil e 86 mil pontos. Estando no suporte do canal, possivelmente haja ai uma oportunidade para um tirinho curto – no bom sentido, claro (você fala um negócio deste na sexta-feira e muita gente já se anima na Faria Lima).
Mercados brasileiros iniciam a sexta-feira demonstrando alguma cautela diante do Relatório de Emprego nos EUA. Ele pode balizar o futuro do juro básico norte-americano e essa é hoje a principal fonte de preocupação.
Ibovespa Futuro abre em ligeira queda de 0,20, dólar sobe contra o real e juros futuros registram alta.