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O Fenômeno Inflacionário Atual: Discutindo Aspectos Estruturais e Transitórios

Publicado 27.05.2022, 15:49
CL
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A inflação é um dos vetores, senão o principal, da política monetária, afetando, portanto, toda dinâmica de uma estratégia de investimentos. Sua manutenção, em patamares superiores às metas estabelecidas pelos formuladores desta política monetária, não apenas deteriora o poder de compra da moeda, como também eleva a percepção de risco vigente nos mercados. Seu combate acaba, de uma forma ou de outra, levando à elevação das taxas de juros. Sob a perspectiva do investidor, o processo inflacionário é nocivo não apenas por seu aspecto mais direto, refletido na perda de poder de compra dos ativos financeiros, mas, principalmente por sua influência sobre o processo de precificação destes ativos, considerando que o retorno projetado é influenciado negativamente pela redução do potencial de crescimento da economia, assim como seu valor presente pela elevação das taxas de juros e da percepção de risco.

Os ganhos de produtividade percebidos nas últimas décadas acabaram por deixar a análise deste fenômeno monetário em um segundo plano, não por sua falta de importância, mas pela sensação de que as economias e seus economistas haviam descoberto sua criptonita. No entanto, a Pandemia do COVID-19 e a guerra deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia trouxeram a temática da inflação de volta ao centro da discussão econômica e, consequentemente, do radar dos investidores. Quando os índices inflacionários começaram a superar as metas estabelecidas, o ponto focal das discussões se concentrou sobre a característica transitória ou estrutural deste movimento, considerando a importância desta distinção sobre as diretrizes da política monetária, sobre o endereçamento das soluções possíveis e, principalmente, sobre a magnitude de suas consequências sobre a dinâmica de crescimento econômico futuro. Quanto mais ágil fosse o endereçamento das soluções, maior a probabilidade de não se comprometer estruturalmente o equilíbrio do sistema de preços, afetando de forma menos traumática a dinâmica econômica.

Neste sentido, o artigo identifica três eventos que alteraram profundamente o ambiente econômico em curso até o início de 2020 e, desde então, produzem consequências relevantes sobre o equilíbrio do sistema de preços: (i) o desarranjo das cadeias produtivas; (ii) o aumento da liquidez global, derivado do afrouxamento das diretrizes de política monetária e da implementação dos programas de estímulo monetário (quantitative easing) e; (iii) o desequilíbrio entre a oferta e a demanda de energia. Nossa análise objetiva segregar a influência destes três vetores sobre o quadro inflacionário atual, considerando que cada um deles produz consequências distintas, seja sob a perspectiva de sua de magnitude ou temporalidade, e entender como o endereçamento das soluções contribuiu, ou não, para que seus efeitos deixassem de ser conjunturais e passassem a afetar estruturalmente a dinâmica econômica e o equilíbrio de seu sistema de preços.

Disrupção das cadeias produtivas

O longo período de interrupção de algumas atividades essenciais durante o período de pandemia provocou a redução na oferta de alguns insumos básicos, comprometendo a entrega, em quantidade demandada pelo mercado, de certos itens, elevando seus preços. Este fenômeno abrangeu desde produtos básicos, como commodities e produtos agrícolas, que afetam o início das cadeias produtivas, até serviços, como fretes marítimos, passando por componentes de alta complexidade, como microchips, que são largamente utilizados na composição de bens industriais. A guerra russo-ucraniana incorporou a este cenário os insumos agrícolas, mais especificamente adubos e fertilizantes.

Fenômenos inflacionários derivados de questões ligadas a oferta, quando motivados por eventos específicos, neste caso a pandemia e a guerra, que não requeiram investimentos relevantes para sua regularização, podem ser classificados como circunstanciais, e, portanto, essencialmente transitórios. No entanto, a longa duração das políticas restritivas adotadas para o enfrentamento da crise sanitária, principalmente nos países asiáticos, que concentram a produção de insumos importantes a diversas cadeias produtivas, vem potencializando os efeitos relacionados à instabilidade no fornecimento de insumos, afetando o equilíbrio geral de preços. O início do conflito bélico provocou a interrupção repentina de parte do fornecimento de insumos agrícolas importantes, cujos efeitos ainda não se materializaram plenamente, tendo em vista a existência de estoques que vem sustentando parte importante da produção global de alimentos. A continuidade do conflito, contudo, pode provocar consequências indesejáveis sobre a produção global de alimentos e seus preços.

Os instrumentos tradicionais de política monetária têm pouca efetividade e custo elevado quando aplicados a eventos inflacionários desta natureza, cuja resolução passa por uma solução diplomática do conflito bélico e pela normalização das cadeias produtivas, improváveis no curto prazo, considerando a complexidade política que contextualiza o cenário de guerra, a manutenção de políticas restritivas para enfrentamento remanescente da pandemia em algumas regiões importantes e o fato de as principais cadeias produtivas apresentarem restrições há mais de dois anos, o que torna mais complexo seu processo de normalização.

Embora o contexto de disrupção descrito esteja longe de representar um cenário trivial, prolongar a duração e abrangência dos eventos que o motivaram transformou questões circunstanciais e transitórias em estruturais, potencializando seus reflexos sobre a organização do sistema de preços e cuja solução demandará tempo e recursos para a reconstrução de parte das cadeias produtivas.

Aumento da liquidez global

Os programas de manutenção de renda e resgate social implementados durante o auge da Pandemia do COVID-19, conjugados com os estímulos monetários (quantitative easing) e a leniência da política monetária cumpriram seu papel de evitar a parada total da economia e o mergulho em uma recessão global mais profunda, contudo, provocaram um aumento sem precedentes nos níveis de liquidez dos mercados. As recompras de títulos mantidas pelo Federal Reserve - Fed desde o início da crise sanitária injetaram aproximadamente US$ 120 bilhões por mês na economia norte-americana. Neste período, estima-se que tenha sido adicionado ao balanço do Fed US$ 2,6 trilhões em mortgage-backed securities, títulos que possuem garantia implícita do Tesouro norte-americano, e US$ 5,5 trilhões diretamente em US Treasuries.

Usando uma outra métrica, a expansão de M2, que engloba o total da base monetária líquida não sujeita a juros acrescida dos depósitos a prazo e títulos públicos em livre circulação não detidos por bancos e fundos de investimentos, atingiu a taxa anualizada de 27% durante a crise sanitária. Para efeito de comparação, a mediana histórica desta expansão se aproxima dos 5% anuais, tendo atingido picos durante a 2ª grande guerra (18%) e no combate as crises de 1929 e 2008 (ambos com expansão anualizada de M2 próximas a 10%).

Flexibilizar a política e aumentar significativamente a expansão da base monetária, com o objetivo de minimizar os efeitos de recessões econômicas, utilizando, inclusive, estímulos extremos como os programas de quantitative easing, tem apresentado resultados bastante efetivos. Ocorre que, no momento presente, a utilização destes instrumentos atingiu patamares muito superiores aos verificados historicamente. Adicionalmente, e talvez mais importante, ao invés de iniciar a implementação de programas de drenagem de liquidez quando os efeitos da crise sanitária sobre a economia já estavam mais controlados, inclusive com as campanhas de vacinação em pleno andamento, a maior parte das autoridades monetárias ao redor do globo optou por manter programas de estímulo ativos e políticas monetárias lenientes, fazendo com que os índices de inflação passassem a bater seus recordes recentes, superando o histórico dos últimos 40 anos.

A manutenção de programas de estímulo monetário por período superior aos precedentes históricos fez com que a expansão da base monetária passasse de um instrumento eficiente de política monetária para uma disfunção estrutural, cujo desafio de equacionamento passa pela manutenção de taxas de juros contracionistas por tempo superior ao que seria necessário caso a drenagem do excesso de liquidez tivesse sido iniciada logo que o controle da pandemia propiciou a reabertura, mesmo que gradual, da economia.

Desequilíbrio entre demanda e oferta de energia

O primeiro ano da crise sanitária e a implementação das políticas de lockdown reduziram fortemente a demanda por energia, ocasionando um declínio importante na cotação do petróleo, que se manteve abaixo dos preços praticados no período imediatamente anterior à crise sanitária até o mês de fevereiro de 2021, praticamente um ano após seu início. Emblematicamente, durante o início da pandemia, mais especificamente em abril de 2020, perceberam-se cotações negativas para o preço da commodity.

É importante incorporar à esta análise o fato de que, desde 2015, os preços praticados neste mercado encontravam-se próximos ou inferiores à sua faixa de equilíbrio histórico recente. A manutenção de preços nesses patamares, por período prolongado, contribuiu para quebra da dinâmica de parte da indústria, em particular os campos de produção de Óleo de Xisto nos Estados Unidos, que também sofrem com questões relacionadas ao ativismo ambiental e a agenda verde implementada pelo novo governo norte-americano, empossado no início de 2021. Estima-se que a produção destes campos tenha sido reduzida em aproximadamente 15% desde o início da pandemia, sendo que a previsão para a retomada de seu ápice produtivo só aconteça no final de 2023.

Com a quebra da dinâmica da oferta e o aumento da demanda por energia observados a partir do processo de retomada da economia, o preço do petróleo atingiu níveis que orbitavam os US$ 80 até a deflagração do conflito bélico entre Rússia e Ucrânia. A dependência europeia do fornecimento de petróleo e gás proveniente da Rússia agravou ainda mais este desequilíbrio, fazendo com que o preço da commodity ultrapasse os US 100, atingindo seu recorde recente, com valor pouco inferior aos US 140, durante o mês de março de 2022.

Este cenário de incerteza leva o desequilíbrio entre demanda e oferta de energia a um status estrutural. A manutenção dos preços do petróleo acima de sua faixa de equilíbrio tem um peso significativo sobre praticamente todas as cadeias produtivas, afetando de forma mais ampla o equilíbrio do sistema de preços, desencadeando efeitos negativos sobre o crescimento econômico global e o desempenho dos mercados de risco.

Considerações finais

Sob a perspectiva do investidor, o cenário atual sugere a necessidade da manutenção de taxas de juros em terreno contracionista por período superior ao que se esperava quando os primeiros sinais de descontrole inflacionário foram detectados. Adiciona-se a isto a incerteza, que ainda remanesce, sobre o efetivo controle da pandemia e, principalmente, em relação ao desfecho do conflito russo-ucraniano e à dinâmica geopolítica subsequente. Estes fatores elevam substancialmente a percepção de risco vigente. Os reflexos deste quadro sobre o potencial de crescimento econômico são, obviamente, negativos.

Diante disso, não apenas se justificam as correções recentes verificadas no desempenho dos mercados de risco, como também se coloca uma questão sobre o aprofundamento de sua amplitude, o que poderia levar a um cenário de bear market ou ao comprometimento do potencial de retorno futuro dos ativos de risco, que passariam a apresentar um desempenho inferior a seu potencial intrínseco.

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