Escrever a coluna desta semana é quase como registrar um momento histórico do mercado financeiro a ser lembrado por várias gerações de investidores, ao menos, para aqueles que viram pela primeira vez as bolsas acionarem suas linhas de defesa logo quatro vezes em uma semana: o chamado circuit breaker. Entre os fatores que levaram o Ibovespa a patamares de junho de 2018 em apenas quatro dias está a guerra de preços do petróleo e é sobre o futuro da commodity e as prováveis mudanças do setor que iremos falar um pouco mais hoje.
Há pouco mais de uma semana, o mercado aguardava pela reunião periódica da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+) na expectativa de aprovarem um corte adicional na produção diária de 1,5 milhão de barris, o que poderia levar o preço do barril à casa dos US$60, em tempo de forte queda na demanda devido ao impacto do coronavírus pelo mundo.
A medida era consenso no mercado, que viu o preço do petróleo Brent sair de US$ 71,75 em janeiro para US$ 48,40 na semana da reunião, faltando apenas o aceite do terceiro maior produtor mundial, a Rússia. O desfecho, no entanto, foi o justamente o contrário, o que levou o preço do barril a bater mínima de US$31,02, tornando-se uma preocupação muito além de ajustes de produção. Isso sem falar no choque de realidade do mercado de renda variável.
Mas quais são as verdadeiras razões que levaram a Arábia Saudita a iniciar uma guerra de preços contra a Rússia?
Aparentemente, trata-se de uma resposta ao discurso de independência dos russos ao dizerem, ao final da reunião da Opep, que “a partir de 1° de abril todos poderiam produzir o quanto quiserem”. Outro motivo seria um recado saudita para os demais produtores que não querem ceder ao pedido da Opep dizendo: sou o maior exportador do mundo, então é bom que vocês me sigam. Não sabemos. Até o momento, ambas as teorias fazem sentido.
Na prática, a decisão da Arábia Saudita de reduzir consideravelmente os preços do petróleo estimula a concorrência e facilita a captação de novos mercados endereçados à Rússia, compensando a redução dos preços com o aumento da demanda. Mas existe uma pegadinha aí.
Além da redução nos preços, que chega a 20% em alguns mercados, a Saudi Aramco (SE:2222) pretende elevar a sua produção para 12,3 milhões de barris por dia (bpd) durante o mês de abril, um aumento de 2,5 milhões de bpd no momento em que a demanda está baixa devido ao impacto do coronavírus na economia mundial.
Esse é um ponto crucial da questão no momento. O mercado busca entender as reais intenções da Arábia Saudita e por quanto tempo essa disputa irá durar, afinal, tratam-se de políticas de preços e ofertas agressivas em um momento de fragilidade para o setor.
As consequências impactam diretamente os países produtores, especialmente aqueles com receita concentrada na exploração do petróleo, como a Noruega, Venezuela e a própria Arábia Saudita. O Brasil, por sua vez, também não fica de fora, tendo boa parte do orçamento do governo para 2020 proveniente de royalties projetados a um preço médio US$58,96 o barril.
Além disso, na fatídica segunda-feira, as ações da Petrobras (SA:PETR4) recuaram 29,70%, ficando atrás apenas da Petro Rio (SA:PRIO3) com queda de 36,54%. Tudo porque, para as petrolíferas, o prolongamento dos preços baixos e a fraca demanda podem resultar em corte nos investimentos e maior dependência nas vendas de ativos para cumprir as metas de desalavancagem.
Mas calma! Essas ainda são possíveis consequências de um período mais longo na distorção dos preços. A expectativa é que uma nova rodada de negociações aconteça em breve e, desta vez, haja acordo entre as partes.
Tanto é que, um dia após o banho de sangue, o ministro de Energia da Rússia, Alexander Novak, declarou que Moscou não descartou medidas conjuntas com a Opep para estabilizar os mercados de petróleo. Já a Arábia Saudita tem grande interesse em garantir aos investidores da Saudi Aramco preços acima da oferta pública inicial realizada no ano passado. O IPO faz parte dos planos do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman para criar o maior fundo soberano do mundo e reduzir a dependência do país de receitas do petróleo.
Por isso, o que vale, ao menos por enquanto, é deixar a poeira baixar e acompanhar o mercado sem tomar decisões precipitadas, mantendo o foco nos fundamentos de suas empresas e nos próximos resultados.
Vamos juntos.