A diferença fundamental
Inspirado pelas excelentes obras "The Most Important Thing", de Howard Marks e "Fooled by Randomness", de Nicholas Taleb, te convido hoje a fazer uma reflexão sobre o papel da sorte em seus investimentos.
Infelizmente, o mundo dos investimentos não é um lugar lógico onde o futuro pode ser previsto e ações específicas sempre produzirão resultados determinados.
A verdade é que boa parte do sucesso ou fracasso é dominada pela sorte, o acaso, a aleatoriedade… o que não é necessariamente um problema, desde que você saiba diferenciar habilidade de sorte.
Ganhar 10 mil reais em uma aposta ou 10 mil reais por meio de um diligente e responsável processo de análise e investimento tem uma diferença fundamental: a dependência da sorte.
São os mesmos 10 mil, que compram os mesmos bens. Mas enquanto um depende simplesmente da sorte, o outro é resultado da habilidade.
E por que reconhecer o papel da sorte é tão importante para seus investimentos?
Simples: habilidade é replicável, a sorte (apesar de muito bem-vinda) não.
Histórias Alternativas vs Histórias Visíveis
Dada a natureza probabilística dos investimentos, não podemos julgar a qualidade de uma decisão apenas olhando o que aconteceu (história visível). Precisamos analisar o que poderia ter acontecido (histórias alternativas).
Fazer uma aposta às cegas e vencer não pode ser considerado inteligente, corajoso ou nobre, apenas porque deu certo.
Comprar uma ação esperando um certo desenrolar para empresa, que não acontece, mas o mercado faz a ação subir mesmo assim, pode fazer o investimento parecer certo. Mas ele deu certo pelos motivos errados.
É preciso levar em conta todos os cenários que poderiam ter acontecido, entender seus respectivos resultados esperados, analisar as informações disponíveis no momento para então avaliar a qualidade da tomada de decisão.
O passado é história, é absoluto e inalterável. O que aconteceu foi apenas uma das várias possibilidades que poderiam ter acontecido.
Além disto, o que funcionou, pode funcionar apenas naquele conjunto de circunstâncias — não prova que a decisão foi necessariamente inteligente.
Às vezes, o que determinou o sucesso da decisão pode ter sido um evento extremamente improvável, questão apenas de sorte. Neste caso, os vários outros cenários que poderiam ter se concretizado revelariam o erro da decisão.
Isto é especialmente verdade em bull markets (como atualmente), em que os maiores retornos geralmente vão para aqueles que tomam mais risco. Mas isso não diz nada sobre estes serem os melhores investidores.
No curto prazo, um tolo sortudo pode ser confundido com um investidor habilidoso. Mas dificilmente o primeiro será quem terá uma história com final feliz para contar em um horizonte de tempo alongado.
Nunca se esqueça que investir é uma maratona. Sair correndo desesperado no começo, apenas reduz suas chances de completar a jornada com sucesso.
O que é uma boa decisão?
Você deve estar se perguntando: se eu não devo avaliar uma decisão pelo seu resultado, como determinar o que é uma boa decisão?
Howard Marks responde:
“Uma boa decisão é aquela que uma pessoa lógica, inteligente e bem informada teria tomado sob as circunstâncias do momento, antes do resultado se tornar conhecido.”
Assim como o risco de perda, muitas das coisas que vão influenciar o índice de acerto de uma decisão não podem ser previstas ou quantificadas.
Até depois do fato, pode ser difícil identificar se uma sólida análise não foi penalizada pelo acaso ou quem se beneficiou apenas da sorte.
Olhar o retorno passado apenas te diz qual decisão foi mais lucrativa, não confunda isto com a melhor decisão. Não se frustre ou se convença que suas boas decisões foram erros apenas porque deram menos dinheiro.
As escolas de pensamento: “eu sei” vs “eu não sei”
Alguns (muitos) investidores pertencem a escola “eu sei” de pensamento, eles acreditam que é possível prever o futuro. Eles decidem o que vai acontecer e montam carteiras para maximizar os retornos naquele cenário, praticamente desconsiderando outras possibilidades.
Os subótimos da escola “eu não sei”, focam em construir carteiras que vão bem nos cenários que eles consideram prováveis e não muito mal nos demais.
Investidores da escola “eu sei” vão prever o resultado da empresa, atribuir seu sucesso a sua habilidade de previsão do futuro e culpar fatores externos ou terceiros quando as coisas derem errado.
Os investidores “eu não sei” têm uma abordagem probabilística e entendem que o crédito (ou a culpa) — especialmente no curto no prazo —, deve ser devidamente limitado.
Investidores “eu sei” rapidamente se dividem entre vencedores e perdedores após as primeiras rodadas. Investidores “eu não sei” entendem que sua habilidade deve ser julgada após um vasto número de rodadas.
O Investidor de Valor, assim como Howard Marks, pertence (orgulhosamente) a escola “eu não sei”:
Aqueles que enxergam o mundo como um lugar de alta incerteza têm grande respeito pelo risco, consciência do que não sabem/controlam e entendimento de que o melhor a ser feito é sempre considerar todas as possibilidades e investir defensivamente.
Junte-se a escola de pensamento do “eu não sei” e colha os frutos da consistência de resultados no longo prazo!