Por Ana Mano e Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Os estoques de milho do Brasil serão ajustados ou possivelmente insuficientes para atender à demanda doméstica no início de 2020, uma vez que as amplas exportações durante a maior parte de 2019 e as elevadas compras do grão por produtores locais de carnes têm consumido as reservas do país, disseram analistas.
A quantidade de milho disponível no centro-sul brasileiro deve atingir uma mínima de três anos, de acordo com dados da consultoria agrícola Agroconsult.
O indicador que mede a proporção entre estoques e uso de milho, por sua vez, deve recuar para 23% até maio de 2020, seu menor nível desde 2017, afirmou a empresa.
Espera-se que as exportações de milho do Brasil atinjam um recorde de 41 milhões de toneladas em 2019, alta de 80% ante o ano anterior, em meio a problemas com a safra dos Estados Unidos e impulsionadas pelo real enfraquecido, o que favorece exportadores locais.
Atrasos no plantio da segunda safra, a principal colheita do grão no país, e na safra de verão também podem resultar em menor oferta no início do ano, além de importações do cereal no começo de 2020, segundo os analistas.
"A possível falta de milho no mercado em maio (pré-safrinha) é corrigida automaticamente pela elevação dos preços e a busca da paridade de importação", disse o sócio-diretor da Agroconsult, André Pessôa.
"Se isso ocorrer, algum milho importado poderá entrar nos mercados do Sul e do Nordeste."
Os baixos estoques de milho no Brasil refletem a intensificação das compras por frigoríficos locais, que visam garantir ração para os animais na esteira de um aumento das exportações de carnes para a China, cujas aquisições aceleraram após um mortal surto de peste suína africana dizimar plantéis de porcos do país.
A demanda advinda dos produtores locais de etanol também está aquecida, à medida que novas usinas de etanol de milho entram em operação no Brasil, afirmaram analistas.
Paulo Molinari, consultor da Safras & Mercado, estima o estoque de passagem do Brasil em 11 milhões de toneladas.
"O grande problema do milho é o primeiro semestre, não o segundo. Vai sobrar de 10 milhões a 11 milhões de toneladas de estoque, e a safra de verão é pequena, de 25 milhões. Com mais 11 (milhões) de estoque, isso dá 36 milhões. O nosso consumo do primeiro semestre será de 37 (milhões), é um quadro muito ajustado", disse.
Ainda assim, os agricultores brasileiros devem produzir mais uma grande safra de milho, apesar dos atrasos no plantio de soja --a segunda safra do milho, também chamada de "safrinha", é plantada logo após a colheita da soja.
Produtores semearam 87% da área estimada para a soja do Brasil até 28 de novembro, valor abaixo dos 93% vistos no ano passado, mas em linha com a média histórica de cinco anos, de acordo com a consultoria AgRural.
Considerando o atraso no plantio de soja neste ano, a semeadura da segunda safra de milho se estenderá até março de 2020.
"Plantar milho segunda safra em março não é algo fora do normal... Mas plantio em março normalmente significa mais risco, porque esse milho irá polinizar sob condições potencialmente menos favoráveis, que incluem menos chuva, dias mais curtos e, eventualmente, geadas nas áreas mais ao sul", disse a AgRural em relação à "safrinha", que representa 75% da produção brasileira.
Apesar dos riscos, a área total de milho do Brasil em 2019/20 crescerá 3,9%, enquanto a produção deve atingir 102,4 milhões de toneladas nesta temporada, segundo dados da Agroconsult.