Por Maximilian Heath
BUENOS AIRES (Reuters) - A versão enfraquecida do fenômeno climático El Niño esperada para a temporada 2014/15 causará efeitos díspares sobre a principal região exportadora de soja do mundo, beneficiando Argentina e Paraguai, mas trazendo alguns riscos para as lavouras do Brasil e do Uruguai, disseram especialistas.
O El Niño consiste numa desaceleração dos ventos equatoriais, que provoca um aquecimento do Pacífico na região do Equador e fortes chuvas em grande parte da Argentina, Uruguai e Sul do Brasil, além secas em outras partes do mundo.
"Estamos em uma época de temperaturas mais quentes na superfície no Pacífico central equatorial. Mas estas não têm conseguido durante três meses ser temperaturas suficientes para que seja batizado como 'Niño'. Por isso, estamos seguros que vai ser fraco", afirmou à Reuters Stella Carballo, meteorologista do Instituto de Clima e Água da Argentina.
Como é esperada uma versão enfraquecida do fenômeno, as chuvas que atingirão a Argentina e o Paraguai não seriam tão intensas nos próximos meses, o que geraria um nível de umidade ideal, sem risco de grandes inundações.
No entanto, um El Niño atenuado representa alguns riscos para a produção do Brasil, podendo inclusive favorecer o desenvolvimento do fungo da ferrugem da soja.
O Uruguai, por sua vez, não teria as fortes chuvas mitigadas pelo fenômeno, o que representa uma ameaça para as lavouras do país sul-americano.
"O estado em que estamos agora é 'quente neutro'. Ou seja, um pouco abaixo de El Niño, o que significa que é um ano úmido, mas mais moderado no volume e na forma da ocorrência de chuvas na Argentina", disse Eduardo Sierra, conselheiro de clima da Bolsa de Cereais de Buenos Aires.
De acordo com a analista do Instituto de Clima e Água, todas as semanas têm sido registrados cerca de 100 milímetros de chuva na Argentina, mas em regiões diferentes, o que garante um bom nível de umidade no solo. A especialista, entretanto, não descartou que as precipitações possam se prolongar, criando dificuldades para os produtores.
Segundo o Ministério da Agricultura da Argentina, o país terá um plantio recorde em 2014/15 de 20,3 milhões de hectares de soja, enquanto os produtores já começaram a semeadura dos 5,5 milhões de hectares de milho previstos pelo governo.
De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, pela sigla em inglês), a produção de soja da Argentina atingirá 55 milhões de toneladas, e a de milho 23 milhões de toneladas.
No Paraguai, onde o governo estima uma safra recorde em 2014/15 de 10 milhões de toneladas, há previsão de condições favoráveis de umidade para a oleaginosa.
"Vamos ter boa umidade e boas condições de chuva", disse Edgar Mayeregger, chefe da unidade de gestão de riscos do Ministério da Agricultura do Paraguai.
"Normalmente, em ano de El Niño a produção tende a ser bastante normal ou acima de rendimentos normais", afirmou Mayeregger, acrescentando que já se registram impactos do fenômeno fraco em seu país.
Brasil, Argentina e Paraguai estão em segunda, terceira e quarta colocação no ranking dos principais produtores globais, após os Estados Unidos, onde a safra é estimada em mais de 100 milhões de toneladas, já em processo de colheita. Na América do Sul, o momento é de plantio ou de preparação do solo.
EUA, Brasil e Argentina respondem por mais de 80 por cento da produção global de soja, estimada pelo USDA em 311 milhões de toneladas.
EFEITOS COLATERAIS
Ao contrário de seus vizinhos, o El Niño fraco deve trazer maiores desafios para a produção de soja do Brasil, onde, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra poder ser recorde, entre 89 milhões e 92 milhões de toneladas no ciclo 2014/15.
"O El Niño fraco é perigoso porque não costuma ter os efeitos (benéficos para a safra de soja) de um El Niño forte: chuvas em excesso no Sul e pancadas de chuva no Sudeste/Centro-Oeste", disse o meteorologista Celso Oliveira, da Somar Meteorologia, no Brasil.
No Sul do Brasil, segunda região produtora de soja depois do Centro-Oeste, o El Niño fraco não diminui o risco de estiagem, o que acontece quando o El Niño é forte, acrescentou.
Enquanto isso, no Centro-Oeste e no Sudeste, disse o meteorologista, o fenômeno fraco pode resultar em maior risco de "invernadas" --período caracterizado por vários dias de tempo nublado e chuvoso e temperaturas não tão altas--, o que aumenta a chance de proliferação do fungo da ferrugem asiática e de a planta não fazer a fotossíntese adequadamente.
Já com o El Niño tradicional ocorreriam mais pancadas de chuva, com períodos de sol, e o produtor teria maiores produtividades.
Para o Centro-Oeste, que inclui o Mato Grosso, maior produtor de soja do Brasil, o El Niño fraco não impacta tanto a quantidade da produção, mas pode trazer problemas de qualidade, especialmente pelo tempo for chuvoso durante vários dias na época da colheita.
(Reportagem adicional de Daniela Desantis em Assunção e Roberto Samora, em São Paulo)