Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Os preços das principais commodities agrícolas, que
estão nos menores níveis em vários anos nos mercados globais em meio a grandes safras, transformaram-se em importante colchão contra pressões inflacionárias no Brasil, atenuando o efeito do dólar mais caro sobre os produtos alimentícios.
A valorização da moeda norte-americana, que está perto do nível mais alto em mais de uma década ante o real, eleva no mercado brasileiro os preços de commodities, como a soja e o milho, que são importantes produtos da pauta de exportação brasileira. Mas como a cotação desses produtos está em baixa no mercado internacional, o efeito da valorização do dólar no mercado doméstico é atenuado.
O primeiro contrato da soja na bolsa de Chicago acumula queda de cerca de 18 por cento nos últimos 12 meses, oscilando perto dos menores níveis desde 2009, enquanto no Brasil, a soja acumula alta de cerca de 12 por cento no mesmo período, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
No mesmo período, o dólar acumula alta de cerca de 60 por cento ante o real.
"Essa disparidade é uma indicação de que os preços internacionais estão compensando a subida do câmbio. Em outras circunstâncias, poderia ter uma pressão inflacionária maior", disse o coordenador do índice de preços da FGV, Salomão Quadros.
"Por que a soja só subiu 12? Porque o preço da soja internacional atenuou a pressão inflacionária."
No caso do trigo, o preço no oeste do Paraná está quase 15 por cento mais alto do que estava no mesmo período do ano passado, enquanto no mercado de referência de Chicago os preços futuros acumulam queda de cerca de 24 por cento, sendo cotados nos menores níveis desde 2010.
"A inflação não vai sofrer tanto assim, porque a queda das commodities vai suavizar", completou Quadros, lembrando que os preços internacionais de alguns produtos estão mais fracos também por uma demanda mais amortecida da China.
PRODUÇÃO ELEVADA
Do lado da oferta, os Estados Unidos, maior produtor global de grãos, estão próximos de iniciar colheitas robustas de soja e milho --o que exerce uma pressão sazonal nos preços--, enquanto o Brasil está iniciando o plantio da temporada 2015/16, com perspectivas de colher mais de 100 milhões de toneladas de soja pela primeira vez.
"Daqui pra frente, a gente deve ter uma continuidade dessa pressão baixista internacional", afirmou o diretor de Pesquisa Econômica da GO Associados, Fábio Silveira, lembrando que muitos mercados já precificaram safras maiores, ainda que novos movimentos baixistas de fundos de investimento possam ocorrer, especialmente num horizonte de perspectiva de alta de juros nos Estados Unidos, que tem um efeito baixista para commodities.
Além disso, destacou Silveira, "somou-se a esse quadro de baixa estrutural" a desaceleração da economia chinesa, que pode pesar adicionalmente nos preços.
"É por isso que estamos com previsão de inflação abaixo do mercado, acho que dá para fechar nos 9 por cento em 2015 (IPCA), já contando com esse arrefecimento da pressão de produtos básicos, e aí estamos falando de alimentos, que têm peso relevante no IPCA", declarou Silveira. A última pesquisa Focus do Banco Central aponta para inflação de 9,29 por cento em 2015.
O diretor da GO Associados avaliou ainda que, após uma abrupta alta do dólar recente, a queda dos preços agrícolas nos indicadores de inflação poderá ser mais sentida em novembro e dezembro, encaminhando um bom início de 2016. "É um atenuante bom, importante para segurar a inflação em patamar de 9 por cento em 2015, eventualmente até baixar para 8,5; é boa noticia porque ajuda a inflação em 2016 a ficar em torno de 6 por cento."
DÓLAR VILÃO E SALVADOR
Do lado dos agricultores brasileiros, o dólar atuou como o salvador da rentabilidade na safra 2015/16, na medida em que é fator altista para os preços em reais, ainda que as margens sejam menores que em anos anteriores em função da alta dos custos, também dolarizados.
"Resolveu um problema de rentabilidade bastante sério que teríamos... deu uma bela ajudada, com isso a rentabilidade não foi tão prejudicada como em outros países, como Estados Unidos", disse o analista da MB Agro José Carlos Hausknecht.