Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Algumas distribuidoras de energia da estatal federal Eletrobras (SA:ELET3) estão inadimplentes junto a geradoras e comercializadoras em contratos de compra de eletricidade fechados em leilões promovidos pelo governo federal, um problema que atinge também a CEA, empresa estadual responsável pelo fornecimento no Amapá.
Embora os valores envolvidos não sejam vultosos frente aos bilhões de reais movimentados em contratos de energia pelo setor elétrico, os problemas de pagamento preocupam o mercado por serem pouco comuns nesses contratos e por evidenciarem a falta de fôlego que começa a golpear algumas distribuidoras, principalmente as estatais.
Os contratos de leilões, inclusive, são usados por investidores de geração como garantia em financiamentos junto a bancos, devido à baixa percepção de risco dos recebíveis das distribuidoras.
As informações sobre a inadimplência foram obtidas com executivos do mercado de energia e confirmadas pela Eletrobras em nota à Reuters, que atribuiu os atrasos no pagamento a "razões conjunturais".
A companhia disse que está em contato com os credores para normalizar a situação após julho.
"Há pendências financeiras de algumas distribuidoras da Eletrobras... junto a alguns supridores de energia... A direção das empresas já encaminhou correspondência a todos credores", disse a Eletrobras na nota.
A CEA não respondeu a pedidos de comentário.
O gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Zilmar de Souza, disse que diversas térmicas a biomassa estão com problemas para receber junto à CEA e Ceal, de Alagoas, controlada pela Eletrobras.
"A CEA não está pagando, enquanto a Ceal tem recorrentemente atrasado. As usinas estão produzindo e não estão recebendo. Você atrapalha todo o fluxo de caixa previsto. Temos que evitar o agravamento dessa situação", afirmou.
Um operador em uma comercializadora de energia também confirmou, sob condição de anonimato, enfrentar atrasos das duas empresas. "Está bem desgastante a situação com eles", disse.
O pior caso é o da CEA, que não quitou nenhuma fatura desde o início do ano, segundo agentes do mercado.
"Estamos falando de três meses de fornecimento, indo para quatro agora, e ninguém viu nada, ninguém está recebendo. Isso desacredita um pouco o sistema", afirmou o presidente da comercializadora de energia América, Andrew Frank.
A Eletrobras disse em nota que suas empresas, “incluindo a Ceal”, negociam com os fornecedores “uma forma de quitação tanto da dívida hoje vencida, como também dos compromissos que vencerão no período de abril a julho, tempo estimado para a normalização dos fluxos financeiros”.
CALOTES EVIDENCIAM CRISE
As distribuidoras de energia têm enfrentado desafios neste ano, conforme a recessão econômica reduz o consumo e, ao mesmo tempo, eleva a inadimplência dos clientes.
O consultor Diogo Mac Cord de Faria, da LMDM Consultoria, afirmou que as dívidas em contratos regulados evidenciam fortes dificuldades de caixa ou problemas de gestão das distribuidoras. Isso porque todo o custo dessas compras de energia é reconhecido nas tarifas e há elevadas multas para inadimplência, de até 1 por cento da receita líquida das empresas.
"Isso é a pior coisa que uma concessionária pode fazer. Se elas não estão pagando, é porque estão realmente muito mal", afirmou o consultor.
Uma fonte de um grande banco afirmou que distribuidoras com problemas, geralmente estatais, chegam a atrasar pagamentos, em uma espécie de "pedalada", para ter capital de giro, mas inadimplências de fato são absoluta exceção.
Segundo essa fonte, que pediu para não ter o nome revelado, as últimas distribuidoras a apresentarem uma inadimplência mais severa em contratos regulados eram do Grupo Rede, que quebrou em 2012 e teve suas concessionárias absorvidas por Equatorial Energia (SA:EQTL3) e Energisa (SA:ENGI4).
PROBLEMAS ANTIGOS
A crise financeira da CEA não é de hoje: a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) chegou a recomendar ao governo a retirada da concessão da empresa, devido ao excesso de dívidas, ainda em 2007.
Já as distribuidoras da Eletrobras apresentam prejuízos bilionários e recorrentes --em 2015 foram mais de 5 bilhões de reais em perdas, dos quais 253 milhões de reais da Ceal.
Neste ano, a CEA foi eleita pela agência reguladora a concessionária com pior serviço ao consumidor. A Ceal foi a 32ª no ranking de qualidade, entre 36 empresas avaliadas.
Para Faria, da LMDM, a única solução de curto prazo para essas empresas seria uma intervenção do regulador ou a cassação das concessões, com realização de leilão para a escolha de novos operadores.
Tanto a companhia do Amapá quanto as distribuidoras da Eletrobras, à exceção da goiana Celg-D, que será privatizada, ainda não renovaram contratos de concessão vencidos em 2015.
As empresas tinham até o fim de 2015 para acertar a prorrogação por 30 anos, mas o governo federal editou uma Medida Provisória que estendeu esse prazo até julho de 2016.
A Eletrobras chegou a assinar em 2012 um protocolo de intenções que previa a tomada do controle da distribuidora do Amapá, mas no início deste ano a estatal afirmou que o negócio "está em fase de reavaliação geral".