Por Gustavo Bonato
SÃO PAULO (Reuters) - Indústrias de aves e suínos do Brasil já começam a se movimentar para compras de milho dos Estados Unidos, embora nenhum negócio tenha sido oficializado, após o governo federal anunciar na véspera a eliminação de uma tarifa cobrada sobre compras de fora do Mercosul.
"Todo mundo está tateando para ver se vai fechar a conta. Mas minha opinião pessoal é de que os negócios vão andar, sim. Vai evoluir semana que vem, pois tem feriado amanhã", disse um operador de milho de uma trading internacional.
A Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou a isenção de taxa na importação de milho para uma cota de 1 milhão de toneladas, válida por seis meses, diante de uma escassez do cereal no mercado interno que levou os preços do produto a patamares recordes.
A decisão, contudo, ainda precisa ser oficializada com uma publicação no Diário Oficial da União.
"Certeza que o mercado está trabalhando essas importações dos EUA. Mas acho que só fecham quando tiver a certeza que foram retirados impostos ou quando as regras estiverem 100 por cento claras", ponderou o diretor de Inteligência de Mercado da corretora Cerealpar, Steve Cachia. "Estamos falando em negócios de milhões de dólares."
O Brasil já vem comprando bons volumes de milho da Argentina e do Paraguai, em negócios isentos de tarifas de importação.
O principal destino das compras dos Estados Unidos deverá ser o Nordeste do Brasil.
"Eu acho que vão ocorrer negócios. Os 8 por cento (eliminados sobre a importação) são um valor muito expressivo", disse o vice-presidente de Abastecimento da Associação Avícola de Pernambuco, Josimário Florencio.
O anúncio feito na manhã desta quarta-feira pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) de que exportadores do norte-americanos haviam fechado a venda de 136 mil toneladas de milho para "destinos desconhecidos", para entrega até o fim de agosto, fomentou comentários no mercado.
"O anúncio desta manhã, para destinos desconhecidos, aposto que é para o Brasil", analisou o presidente da consultoria AGR Brasil, Pedro Dejneka, em Chicago.
Segundo ele, o milho disponível nos portos do Golfo nos Estados Unidos poderá chegar, por exemplo, ao porto de Recife (PE) com uma vantagem de 69 dólares por tonelada ante os preços solicitados pelos vendedores locais (de 255 dólares por tonelada), mesmo quando incluídos os custos de frete marítimo e rodoviário.
Para Dejneka, a atual redução na oferta de milho da Argentina, decorrente de chuvas que atrapalham a colheita e os embarques portuários, tende a favorecer o interesse por grão norte-americano.
A expectativa de granjas pequenas e médias, que não têm porte para realizar operações diretas de importações, é que a entrada de mais milho importado no mercado destrave também negócios com os poucos estoques de milho disponível no mercado local.
"Hoje o mercado está na retaguarda, esperando os preços melhorarem. Os poucos que têm, não querem vender", citou o representante comercial da corretora Geleilate, de Fortaleza (CE), que negocia grãos no interior do Nordeste.
"Os vendedores brasileiros estavam ficando confiantes demais de que seus pedidos de preço 'teriam' que ser atendidos. Bem, o governo acaba de sabotar essa estratégia", completou Dejneka.
OFERTA NA SAFRINHA
Analistas de mercado também destacaram que a medida do governo funcionará como uma espécie de seguro para a oferta em determinadas regiões do país, caso se confirme a tendência de uma colheita, nos próximos meses, prejudicada pelo clima seco.
O Brasil deverá colher a partir de junho e julho a segunda safra da temporada 2015/16, a chamada "safrinha", que responde por dois terços da produção anual do país e costuma garantir o suprimento para indústrias e exportadores.
"Há esperança de recomposição dos estoques com a safrinha de milho, mas ela é ameaçada com a estiagem. Fala-se de perdas de 10 a 15 por cento (no potencial de colheita). A importação dos EUA seria mais uma questão de não deixar a indústria parar, de evitar uma crise", disse o analista de grãos da Informa Economics FNP, Aedson Pereira.
Segundo ele, as importações totais do Brasil no atual ano comercial do milho (fevereiro a janeiro) poderão atingir 1 milhão de toneladas, ante 700 mil toneladas estimadas inicialmente, devido a esse quadro de oferta interna apertada.
A AGR Brasil estimou as compras apenas dos Estados Unidos e de outros países de fora do Mercosul em 500 mil a 700 mil toneladas.