Por Hallie Gu e Tom Westbrook
PEQUIM/CINGAPURA (Reuters) - Operadores e analistas do setor de commodities estão enfrentando dificuldades para entender como a China atingirá as surpreendentes quantias que se compromete a comprar dos Estados Unidos sob a fase 1 do acordo comercial entre os países.
A nação asiática prometeu adquirir 50 bilhões de dólares a mais em suprimentos de energia norte-americanos, e em dois anos ampliará as compras agrícolas junto aos EUA em cerca de 32 bilhões de dólares (que serão somados ao valor de referência de 24 bilhões de dólares, de 2017), segundo uma fonte informada sobre o acordo, a ser assinado na quarta-feira. O pacto também estipula aquisições de 80 bilhões de dólares adicionais em produtos manufaturados.
As cifras certamente diminuiriam o "gap" de aproximadamente 300 bilhões de dólares por ano no comércio entre os países. No entanto, analistas que estudam o fluxo de commodities da China permanecem céticos quanto à possibilidade de Pequim absorver tais quantidades de produtos norte-americanos sem comprometer os laços comerciais com outros fornecedores, afetar os próprios produtores domésticos e promover mudanças substanciais aos padrões e cotas de importação.
"Ou a China aumenta maciçamente as importações e reduz o superávit corrente da atual marca de 1,5% do PIB, ou se dedica a se afastar comercialmente dos atuais fornecedores de bens que competem com os EUA", disse Alicia Garcia Herrero, economista-chefe para Ásia-Pacífico da Natixis em Hong Kong. "Vejo esse segundo cenário como muito mais provável."
ENERGIA
A China terá de incluir cargas de petróleo, gás natural liquefeito (GNL) e matérias-primas petroquímicas --como etano e gás liquefeito de petróleo (GLP)-- dos EUA para atingir a meta, disseram analistas e fontes comerciais chinesas.
Mas ainda assim haveria dificuldades, a não ser que novos acordos de fornecimento substituindo exportadores fossem assinados, segundo eles.
A meta de 50 bilhões de dólares é "muito agressiva e improvável de ser atingida", disse Seng Yick Tee, analista da SIA Energy em Pequim, acrescentando que as exportações de produtos de energia dos EUA para a China somaram cerca de 8 bilhões de dólares em 2017 e 2018.
"Para atingir 25 bilhões de dólares por ano, todas as importações precisariam ser triplicadas."
Gavin Thompson, vice-presidente para Ásia-Pacífico da Wood Mackenzie, se surpreendeu com os números para energia, uma vez que significariam que as tarifas sobre importações de petróleo e GNL dos EUA teriam de ser removidas, especialmente para que o GNL seja competitivo.
META PARA AGRICULTURA É "CHOCANTE"
A promessa chinesa de impulsionar as importações de produtos agrícolas dos EUA em mais de 30 bilhões de dólares em dois anos é "chocante", uma vez que apenas esse incremento já supera o valor dos bens agrícolas adquiridos junto aos EUA em qualquer ano na história, disse um operador de grãos com base na China.
"Faria mais sentido se 32 bilhões de dólares fosse o número total, e não o valor do aumento."
Um valor fixo tão alto (em dólares) proveniente de um único produtor também geraria riscos de interrupção de oferta e distorção dos preços internacionais, afirmou Iris Pang, economista do ING na China.
"Os preços das commodities agrícolas praticados no resto do mundo podem ficar mais baratos, especialmente após a China reduzir tarifas de importação (em janeiro). Então, mesmo depois de as tarifas retaliatórias serem removidas, os EUA não terão uma vantagem competitiva sobre outras economias", disse Pang.
Operadores também questionam quais produtos a China poderia comprar dos EUA, já que a peste suína africana afetou a demanda por soja para ração animal e as importações de grãos são limitadas por cotas para proteção dos agricultores locais.
"A China vai, com certeza, comprar mais soja... Digamos, de 30 milhões a 40 milhões de toneladas. Para o trigo, talvez possamos aumentar as compras dentro das cotas de importação", disse um operador de uma importadora de grãos chinesa.
Um terceiro operador afirmou que "se esse volume de produtos vier para a China, será um desastre para nós (no mercado doméstico)".
(Reportagem adicional de Chen Aizhu, Tom Westbrook e Florence Tan em Cingapura, Xu Muyu em Pequim e Sam Shen em Xangai)