Por Luana Maria Benedito
SÃO PAULO (Reuters) - À medida que o recém-anunciado ministro da Fazenda do governo eleito, Fernando Haddad, começa a desvendar a composição de sua equipe econômica, analistas do mercado financeiro reconhecem um esforço do petista em demonstrar equilíbrio de diferentes visões, mas temem que alas mais heterodoxas dentro da pasta se sobreponham a vozes mais conservadoras.
Haddad anunciou na terça-feira que o economista Gabriel Galípolo será seu secretário-executivo, número dois na hierarquia da pasta, enquanto Bernard Appy, que participou dos primeiros governos Lula, será seu secretário especial para a reforma tributária --tema que o futuro ministro colocou como prioritário para sua gestão e que deverá caminhar junto com a reformulação do arcabouço fiscal.
No geral, a avaliação no mercado é de que Galípolo desponta como figura de maior peso dentro da pasta, o que indicaria a possibilidade de o ministério seguir tendência mais desenvolvimentista do que ortodoxa.
"Para os membros do mercado financeiro que julgavam que o novo governo seria pragmático e muito semelhante ao primeiro mandato de 2002, as decepções se acumulam, e toda torcida se converte na realidade de que tudo está se voltando às características do mandato de Dilma", escreveu Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, com fortes críticas especificamente a Galípolo.
Embora tenha experiência nos mercados financeiros como ex-presidente do Banco Fator, Galípolo é visto como muito próximo de Haddad e também de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e já escreveu livros com o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, alinhado a uma visão econômica mais desenvolvimentista e heterodoxa.
Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, disse que, "por mais que ele (Galípolo) saia de um banco --ou seja, seria uma interlocução boa com o mercado-- ele paga muito mais pelo que escreve e diz em entrevistas do realmente por seu 'background'".
Ainda assim, André Perfeito, economista-chefe da Necton, ponderou em comentário que mesmo que Galípolo não seja ortodoxo o suficiente para alguns no mercado, é alguém que entende o debate sob a ótica da Faria Lima. "Sua capacidade de circular 'entre mundos' é um ativo importante", escreveu.
Já em relação a Appy, os comentários dos analistas de mercado são mais enfaticamente elogiosos, mas a expectativa é que sua atuação fique restrita à questão tributária. O economista é, desde 2015, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), instituição focada na elaboração de estudos e propostas para aprimorar a gestão nas áreas de tributação e finanças públicas, e foi um dos autores de proposta de reforma de tributos sobre consumo em discussão no Congresso.
Rafael Pacheco, economista da Guide Investimentos, afirma que a presença de Appy no governo eleito ajuda a facilitar as negociações da reforma tributária, que "enfrenta muita resistência no Congresso, mas é bem estudada e seria mais benéfica do que prejudicial".
Para Cruz, da RB Investimentos, Appy sabe o que precisa ser modificado no projeto em tramitação no Congresso para reduzir distorções na reforma tributária. "É muito bem visto, um nome muito mais ligado ao mercado do que o resto que está sendo cogitado", afirmou.
Fiscal
Em relatório nesta quarta-feira, o banco Citi afirma que o desenho da equipe econômica do governo até agora envia "sinais mistos sobre a sustentabilidade fiscal", chamando a atenção também para os planos de Lula para o comando de estatais, depois que Aloizio Mercadante foi nomeado para ser o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
"No geral, enquanto a confirmação de Bernard Appy é um bom presságio para a perspectiva de que o governo Lula deva priorizar a aprovação de uma reforma tributária que visa aumentar a eficiência do sistema, a nomeação de Mercadante para o BNDES levanta preocupações de que a política de empréstimos subsidiados implementada no passado poderia recomeçar", avaliou o credor norte-americano.
O Ibovespa caía acentuadamente e o dólar avançava em sessão volátil nesta quarta-feira, muito em função da notícia de que a Câmara aprovou na noite de terça mudança na Lei das Estatais --que viabilizaria a nomeação de Mercadante para o BNDES.
Agora, disse Pacheco, da Guide, o mercado precisa aguardar para ver, na prática, como será implementada a agenda fiscal do governo eleito.
Em sua primeira entrevista coletiva após ser anunciado para o comando da Fazenda, no início da noite de terça-feira, Haddad afirmou que poderá antecipar a apresentação de uma proposta para o fiscal que seja confiável e sustentável, aliando compromisso com a estabilidade da dívida pública e também com a área social, mas não deu grandes detalhes.
"A gente pode ter uma surpresa positiva em relação à nova regra fiscal. Mas também pode ter um efeito contrário: você trazer uma reforma tributária muito boa, e uma regra fiscal muito frouxa, e na prática o mercado não reage bem à questão tributária", disse Cruz, da RB.
Há, no entanto, visões mais otimistas.
"A conclusão de que a nova equipe econômica será mais equilibrada se mostra como uma alternativa plenamente aceitável", opinou Matheus Pizzani, economista da CM Capital, argumentando que Haddad e Mercadante são quadros antigos do PT e que suas indicações não devem ser encaradas apenas como escolhas ideológicas.
"A afirmação de que o novo governo terá um viés desenvolvimentista ou ortodoxo, contudo, dependerá significativamente das declarações que serão feitas por estes agentes daqui para a frente...assim como os demais nomes que forem anunciados", completou Pizzani.