Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Um plano do Ministério de Minas e Energia para reduzir as contas de luz por meio do corte de subsídios embutidos nas tarifas de energia tem enfrentado resistência de alguns setores antes beneficiados pelas políticas de incentivo, mas também dentro do governo, um sintoma da disputa por verbas públicas num ambiente de déficit fiscal.
A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo abastecido por um encargo tarifário, irá consumir 18,8 bilhões de reais neste ano para custear políticas que incluem descontos para clientes de baixa renda, empresas de serviços públicos de água, esgoto e saneamento e para consumidores rurais que utilizam serviços de irrigação, entre outros.
Para reduzir essa conta, que tem crescido nos últimos anos, técnicos da pasta de Minas e Energia sugeriram medidas que incluiriam um corte gradual nos benefícios para os consumidores rurais e do setor de água e saneamento, além de uma redução no universo de famílias que podem ter acesso à chamada "tarifa social", mais barata, entre outras.
Mas as propostas sofreram críticas em uma consulta pública realizada pela pasta, que incluíram até questionamentos do Ministério das Cidades, que defendeu a manutenção de um desconto de 15 por cento nas tarifas concedido às empresas de água e esgoto.
A pasta de Minas e Energia quer reduzir em 20 por cento ao ano o benefício do segmento, que custou 694,3 milhões de reais em 2016.
"A extinção ou redução do subsídio... para o setor de saneamento representaria, a nosso ver, um retrocesso", afirmou a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, do Ministério das Cidades.
"Caso o Ministério de Minas e Energia entenda que os subsídios devem ser reduzidos ou extintos, entendemos que, em razão dos impactos... quaisquer modificações devem acontecer a partir de um período mínimo de 10 anos, para que o setor tenha tempo de adaptar-se aos novos custos de energia", defendeu a secretaria.
A opinião do órgão de governo vai na mesma linha da posição da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), que vê o corte de subsídios como "impactante", principalmente para as estatais do setor.
"Seria um contrassenso, na presente conjuntura, as empresas virem a ser prejudicadas com uma retirada de subsídio de alta relevância no custeio das mesmas quando, ao contrário, se busca a expansão do setor", escreveu a entidade.
AGRICULTURA E BAIXA RENDA
Também estão entre propostas do Ministério de Minas e Energia a restrição da chamada "tarifa social" a consumidores enquadrados no programa Bolsa Família, limitações em descontos garantidos a consumidores rurais e uma revogação gradual de reduções tarifárias para atividades rurais de irrigação.
Os benefícios às famílias carentes consumiram cerca de 2,3 bilhões de reais em 2016, enquanto os concedidos ao setor rural demandaram mais de 3,2 bilhões de reais, sendo a maior parte destinada a consumidores no campo, enquanto a irrigação ficou com cerca de 650 milhões de reais.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) avaliou que a mudança na tarifa social "irá deixar expostas muitas famílias de baixa renda, nas quais a energia elétrica corresponde um considerável custo no orçamento familiar", enquanto a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) defendeu a manutenção dos subsídios a seu setor.
"Não existe condição de passarmos os aumentos de custos diretamente para os nossos produtos como ocorre com outros setores... no caso da agropecuária, esses custos são absorvidos pelos produtores e em alguns casos poderão inviabilizar a produção irrigada", afirmou a entidade.
Os ministérios de Agricultura e do Desenvolvimento Social não participaram da consulta pública da pasta de Minas e Energia.
BRIGA NATURAL
A briga entre setores por subsídios na conta de luz e o movimento do governo para reduzir os custos com esses benefícios refletem uma disputa que deverá se tornar cada vez mais comum no Brasil devido ao estrangulamento fiscal da União, disse à Reuters o especialista em energia do Cescon Barrieu Advogados, Roberto Lima.
"É uma discussão que está em praticamente todos os setores... quanto mais escassos os recursos, mais intensa vai ser essa briga, e estamos indo para o terceiro ano de déficit fiscal expressivo", disse.
Nesse sentido, o plano para reduzir os custos com subsídios é positivo, principalmente porque força o governo a analisar questões como a eficiência dos benefícios concedidos frente ao custo e os critérios para concessão de descontos, afirmou a sócia da área de Infraestrutura e Energia do escritório de advocacia Machado Meyer, Ana Karina de Souza.
Ela defendeu que o governo conduza as medidas com transparência e discussão junto aos afetados, até para evitar eventuais entraves legais aos planos.
"Poderia haver judicialização, daqueles que fazem jus aos benefícios e eventualmente se sintam impactados ou até prejudicados... mas é um trabalho que tem que se fazer, não pode ter medo", afirmou.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia disse que realizou a consulta pública justamente para promover a participação da sociedade e orientar sua atuação na busca pela redução de custos.
(Por Luciano Costa)