Por José Roberto Gomes
RIBEIRÃO PRETO (Reuters) - A polêmica sobre o preço do diesel que envolveu o presidente Jair Bolsonaro assustou o setor sucroenergético brasileiro, que não esconde certo receio com os próximos movimentos do governo, embora tenha procurado avaliar o caso como algo "pontual".
Na semana passada, Bolsonaro ligou ao presidente da Petrobras (SA:PETR4) reclamando do reajuste de 5,7 por cento no valor do diesel nas refinarias e pediu esclarecimentos. Após o telefonema, houve cancelamento da alta pela estatal, o que trouxe de volta ao mercado receios de intervenções governamentais nos preços de combustíveis.
Ao longo desta semana, contudo, integrantes do governo declararam que a Petrobras tem autonomia para realizar seus reajustes. Na véspera, a estatal elevou o preço do diesel em 4,8 por cento, com o CEO da companhia, Roberto Castello Branco, reafirmando a independência da empresa para realizar mudanças nas cotações.
Ainda que a polêmica tenha envolvido o diesel, e não a gasolina, concorrente direto do etanol, o movimento de Bolsonaro remeteu ao controle de combustíveis que vigorou em governos anteriores e acarretou em pesadas perdas ao segmento sucroenergético.
"No primeiro momento, sim, houve uma preocupação dessa intervenção... Me parece que esse tema já foi corrigido e que não haverá nenhuma intervenção no preço da gasolina... Mas agora vamos esperar para ver se se manterá no futuro", afirmou o diretor técnico da União da indústria de Cana-de-açúcar (Unica), Antonio de Padua Rodrigues, ao ser questionado pela Reuters.
Uma ação do governo na Petrobras que voltasse a interferir nos preços da gasolina poderia, potencialmente, levar o setor sucroenergético a rever seu mix de produção na atual temporada, iniciada neste mês.
O centro-sul como um todo maximizou a fabricação de álcool em 2018/19, graças a uma demanda robusta, com o produto mais competitivo frente a gasolina e em meio a enfraquecidos preços do açúcar no mercado internacional. A produção atingiu históricos 31 bilhões de litros de etanol e 26,5 milhões de toneladas de açúcar.
SEM SAÍDA
Na avaliação de Rodrigo Vinchi, um dos responsáveis pela parte agrícola da Atvos, a polêmica em torno do diesel levantou temores justamente porque as cotações do açúcar ainda estão em níveis não muito atrativos. Assim, em caso de impacto ao etanol, a situação ficaria complicada.
"Isso preocupa, e confiamos nas entidades que nos representam. Mas vejo como algo pontual, algo que não estava no radar", comentou ele na véspera durante intervalo de evento em Ribeirão Preto (SP).
Conforme ele, a Atvos, braço sucroenergético do conglomerado Odebrecht, deve destinar cerca de 80 por cento de cana para etanol na safra corrente, com produção prevista de 2,1 bilhões de litros –a companhia é, tradicionalmente, mais alcooleira.
Para Cassio Paggiaro, superintendente na Usina Atena, em Martinópolis (SP), o “panorama” composto por preços fracos do açúcar e etanol prejudicado por eventuais movimentos do governo na Petrobras seria uma “tragédia”.
“É preocupante. Se se perpetuar, para a sociedade como um todo não é interessante”, afirmou ele, destacando que sua companhia, com capacidade para moer até 1,5 milhão de toneladas de cana por safra, deve alocar em torno de 60 por cento da oferta de matéria-prima para etanol.
O setor de etanol conta com a manutenção da racionalidade econômica para lidar com um endividamento elevado, o maior desde 2014/15, por causa da escalada do dólar, segundo dados do Rabobank. Tal endividamento teve, em parte, origem no período em que os preços da gasolina eram controlados.
De acordo com pesquisa da Reuters, o centro-sul do Brasil deve processar 572,4 milhões de toneladas de cana em 2019/20, com produção de 28,36 milhões de toneladas de açúcar e 29,29 bilhões de litros de etanol.