Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Uma proposta inicial do governo de promover até 2021 a revisão extraordinária da oferta de energia de hidrelétricas e térmicas do país acendeu entre especialistas temores de uma disputa judicial, dado o impacto direto que o processo teria sobre as receitas de empresas que operam os empreendimentos.
A medida, colocada em consulta pública pelo Ministério de Minas e Energia na semana passada, visa equilibrar o sistema elétrico, em meio a uma percepção generalizada de que muitas usinas não têm conseguido entregar energia conforme o esperado.
A legislação atual define limites para redução da chamada garantia física das hidrelétricas, que representa o volume de energia que eles podem negociar no mercado, mas a proposta sugere acabar com essa regra em meio ao processo de revisão, o que acendeu preocupação entre investidores, segundo advogados.
A proposta de ajuste contempla um cálculo das novas garantias físicas no primeiro trimestre de 2020, para início de vigência a partir de janeiro de 2021.
"Isso tem um potencial de judicialização enorme", disse à Reuters o advogado Julião Coelho, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Hoje a legislação estabelece que as garantias físicas das usinas hídricas só podem ser cortadas em 5% a cada revisão ou em 10% ao longo do contrato de concessão de cada empreendimento.
O ministério prevê mudar um decreto para acabar com esse limite, mas "considerando eventuais compensações para reequilíbrio econômico-financeiro", de acordo com a EPE.
Para o sócio da área de energia do Demarest Advogados, Raphael Gomes, alguma compensação será necessária se a revisão atingir usinas já em operação como o governo pretende, uma vez que seria preciso respeitar o "direito adquirido" dos geradores e o "ato jurídico perfeito" dos contratos assinados.
"Isso é óbvio. Mas o governo precisaria colocar uma proposta mais concreta, mais plausível, ainda mais em assunto tão polêmico. Isso passa insegurança, não traz um diálogo positivo. A consulta pública vai virar palco de reclamação", disse.
Eventualmente, o governo poderia oferecer às elétricas impactadas compensações como aumento dos preços de venda de energia em seus contratos ou renovação das concessões das usinas afetadas por um período adicional, disseram os advogados, mas a discussão pode ser dura, dados os diversos interesses em jogo.
"Você tem mecanismos, de repente até indenização... Mas criar uma fórmula para isso não é trivial", disse Coelho, para quem uma disputa judicial poderia ser evitada se o governo calibrar bem sua proposta, e não tentar "empurrar" uma solução que possa acabar sendo vista como injusta pelos geradores.
MUDANÇA POLÊMICA
O diagnóstico de que as garantias físicas estão superestimadas não é novo, mas o forte impacto de um eventual corte sobre geradores sempre dificultou o avanço de um processo de revisão extraordinário, disse o professor Adilson de Oliveira, do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEE-UFRJ).
"As garantias estão superestimadas. Na verdade, as usinas não têm a capacidade de gerar o que está especificado nos contratos de concessão", afirmou.
"Essa é uma questão realmente nevrálgica e que vai dar uma boa discussão ao longo dos próximos meses", disse o ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana.
"Todo mundo sabe que é uma medida necessária, está na direção correta... mas provavelmente, principalmente por isso de ultrapassar os limites já definidos (para hidrelétricas), deve haver resistência, muita resistência", acrescentou ele, que defendeu que o governo promova uma discussão "bastante cuidadosa" soma o tema.
Santana lembrou que a discussão tem impacto sobre hidrelétricas privatizadas recentemente, por exemplo, uma vez que os compradores dos empreendimentos não levaram uma redução de garantia quando fizeram as contas de quanto pagar pelos ativos.
Após o ajuste extraordinário de garantia física para hidrelétricas e térmicas, a EPE recomenda que sejam adotadas revisões ordinárias anuais a partir de janeiro de 2022.
(Por Luciano Costa)