Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Tradings de commodities podem reduzir a oferta de crédito aos produtores de soja do Brasil em cerca de 50% na safra 2019/20, em meio a problemas de inadimplência e recuperações judiciais de agricultores, disse nesta terça-feira a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
Segundo a gerente de tributação e negócios jurídicos da Abiove, Patrícia da Silva, a redução na oferta de crédito para a nova safra ocorrerá porque houve uma "quebra de confiança" entre tradings e produtores, gerando um ambiente de incertezas que pode impactar o plantio a partir de setembro.
As empresas que negociam grãos no Brasil em geral ofertam cerca de um terço do crédito aos agricultores, com o compromisso de receberem posteriormente os produtos agrícolas, nos chamados negócios antecipados de soja e milho.
"Precisamos restaurar a confiança nos nossos parceiros", declarou Patrícia, durante evento em São Paulo, no qual a Abiove apresentou uma nova marca ao comemorar 38 anos de existência, refletindo uma mudança de posicionamento da entidade para ser mais atuante nas discussões de políticas públicas para a indústria.
Em maio, a Reuters havia reportado que tais recuperações judiciais estavam criando conflitos entre produtores e tradings.
Além da questão da inadimplência, que afetou as companhias em 2017 e 2018, o setor também lida com custos mais altos gerados pela tabela do frete mínimo rodoviário, instituída pelo governo federal após a greve dos caminhoneiros, no ano passado.
Segundo a diretora da Abiove, a indústria não tem nada contra o produtor recorrer à recuperação judicial, mas desde que tenha registro em junta comercial, realizando o processo dentro das normas legais.
Ela citou um caso extremo de um produtor que recebeu o crédito de uma trading e dias depois fez um pedido de recuperação judicial, condição que, se aceita pela Justiça, permite que ele fique dois anos sem pagar dívidas.
Para as tradings, ressaltou a diretora, esse processo não é interessante, uma vez que as comerciantes de grãos não querem dinheiro, e sim soja.
Também falando no evento da associação realizado no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), dentro do Parque do Ibirapuera, o presidente da Abiove, André Nassar, evitou comentar diretamente o impacto da redução na oferta de crédito das tradings para a próxima safra de grãos.
Mas ele destacou que o setor tem vários desafios e lida com muitas incertezas, ao citar a questão da tabela do frete, por exemplo.
"A visão de risco passa a pesar muito, é um momento em que as empresas estão atuando com mais cautela em sua exposição", declarou Nassar.
Com uma queda na oferta de crédito pelas tradings, produtores deverão buscar mais o sistema financeiro ou mesmo usarão mais recursos próprios.
"Este ano, o incentivo para o produtor aumentar muito a área não tem, com a tabela do frete não tem condição econômica para uma grande expansão de área", comentou Nassar.
Segundo o presidente da Abiove, muita coisa pode mudar nos próximos meses, o que impactaria o plantio no Brasil, o maior exportador global de soja.
Ele disse que muitas questões dependerão também de como vai se desenvolver a safra dos Estados Unidos, rivais do Brasil no mercado global da oleaginosa, após um atraso histórico no plantio norte-americano.
Ele ponderou ainda que os EUA possuem estoques relevantes da safra anterior, com o impacto da guerra comercial com a China, outro fator que poderá influenciar o plantio no Brasil, dependendo dos resultados das negociações sino-americanas.
Em pesquisa divulgada na semana passada, o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) afirmou que o Mato Grosso, maior produtor brasileiro da oleaginosa, deverá ter na temporada 2019/20 o menor aumento anual na área plantada de uma série histórica.