Por Danish Siddiqui
BHAGALPUR, Índia (Reuters) - Guardas armados com rifles escoltam o doutor Kumar Gaurav enquanto ele faz suas visitas de rotina no hospital em que trabalha às margens do Rio Ganges.
Os guardas o protegem de familiares de pacientes, inclusive aqueles com Covid-19, que insistem em invadir as alas hospitalares, e até a UTI, para acariciar e alimentar seus entes queridos, muitas vezes sem usar sequer a mais precária das máscaras como barreira contra o novo coronavírus.
"Se os detemos, eles ficam bravos", diz ele. "Eles querem dar refeições caseiras a seus pacientes, e alguns até querem massagear seus pacientes. E estão levando as infecções de nossas UTIs para as outras pessoas da sociedade."
Ele se interrompe para dizer à esposa de um paciente de UTI que ela precisa ir embora. Ela obedece, mas volta minutos depois por outra entrada.
O país está na estação das monções, e a umidade se aproxima de níveis insuportáveis, mas os poucos aparelhos de ar condicionado do hospital não estão funcionando, e alguns familiares usam abanadores para refrescar seus parentes em alas repletas de lixo e equipamento de proteção descartado.
Como alguns médicos foram contaminados com coronavírus e outros se recusam a trabalhar, ele foi nomeado como a principal autoridade do hospital -- apesar de ser um de seus consultores menos experientes e de sofrer de diabetes e hipertensão, dois fatores de risco para casos graves de Covid-19.
Mas ele diz que se sentiu obrigado a se oferecer para o trabalho.
"Muitos de meus colegas se recusaram. Tive que assumir a responsabilidade", disse.
Entrevistas com dezenas de funcionários, pacientes e familiares do hospital de Bihar, Estado do leste indiano, revelaram uma falta crônica de mão de obra e recursos, como sangue e remédios. Todos os 37 leitos da UTI estão ocupados.
Enquanto as infecções diminuem em muitos outros países, a Índia continua relatando mais de 50 mil casos por dia. Seu total de mais de 2 milhões de caso só fica atrás dos números de Estados Unidos e Brasil, e os casos não dão sinais de recuo. Desde o início da pandemia, mais de 46 mil pessoas já morreram.
Embora as maiores cidades indianas, como Nova Délhi e Mumbai, tenham registrado uma redução de casos, os números de cidades menores e de áreas rurais continuam a aumentar.
O sistema de saúde já estava sobrecarregado mesmo antes da chegada da pandemia. O doutor Sunil Kumar, secretário da Associação Médica Indiana de Bihar --o principal sindicato do setor de saúde da nação-- disse que mais da metade das vagas para médicos no Estado não estão preenchidas porque estes não querem trabalhar em áreas rurais, de acordo com o principal tribunal de Bihar.
O temor do vírus e a revolta com a falta de recursos também assombram pacientes e familiares.
Em um domingo de julho, Parsada Sah, um lojista de 67 anos, foi diagnosticado com coronavírus em um vilarejo situado a 50 quilômetros de Bhagalpur, em Bihar. Seu filho, que o acompanhou, ouviu do médico de plantão que não havia leitos nas alas de Covid-19 e que deveria procurar uma cama em uma ala emergencial de 20 leitos já lotada.
(Reportagem adicional de Alasdair Pal em Nova Délhi)