Investing.com - O desenvolvimento dos contratos futuros de Bitcoin e de Ethereum da CME Group se confunde com o desenvolvimento das criptomoedas. O marketplace de derivativos foi pioneiro em lançar produtos que, paulatinamente, entraram nas carteiras de investidores institucionais.
Antes do lançamento dos ETFs de bitcoin à vista no início deste ano, os índices de futuros de bitcoin e ethereum desenvolvidos pela CME Group em parceria com a CF Benchmarks se tornaram referência para os ETFs baseados em futuros das criptomoedas. “Há negociações que operam nossos contratos futuros contra o preço à vista do bitcoin ou de um ETF à vista”, diz Giovanni Vicioso, chefe global de produtos de criptomoedas da CME Group, em entrevista exclusiva ao Investing.com durante a Digital Asset Conference, evento realizado em 3 de outubro pelo MB (ex-Mercado Bitcoin) em São Paulo.
O especialista explica na conversa os motivos que levaram o CME Group a criar os derivativos de criptomoedas, quais são os participantes desse mercado e as possibilidades de estratégias de trades com esses produtos. Além disso, apresenta a relação de desenvolvimento mútuo entre os contratos futuros e opções de criptomoedas com o preço à vista e os ETFs, além da visão da empresa em relação à regulamentação do mercado de criptomoedas.
Confira a conversa abaixo na íntegra:
Investing.com: As faculdades de Economia ensinam que derivativos são um instrumento para operações de gerenciamento de risco, especialmente para produtos físicos e financeiros consolidados no mercado. Como funcionam os derivativos de criptomoedas e quais são os seus objetivos?
Giovanni Vicioso: Todos os produtos de derivativos de criptomoedas no CME Group, como futuros e opções de Bitcoin e de Etherem, são liquidados em dinheiro, com base em uma taxa de referência. Os Futuros de Bitcoin, assim como os microcontratos dos futuros de Bitcoin, são liquidados com base na taxa de referência CME CF Bitcoin, que acompanha o preço à vista do Bitcoin em seis exchanges diferentes. E esse índice é publicado uma vez por dia às 16h00, horário de Londres, representando o valor do Bitcoin nesse momento. Da mesma forma, temos uma taxa para o Ethereum, e nosso produto Ethereum é liquidado com base na taxa de referência do Ethereum.
O objetivo dos produtos pelos clientes da CME é ajudá-los a gerenciar os riscos, o cerne dos nossos negócios. Nossos contratos futuros ajudam os participantes do mercado a realizar operações de proteção ante a volatilidade inerente às criptomoedas, fazer hedge de parte da exposição que eles podem ter ao Bitcoin e Ethereum.
Inv.com: Quem são os maiores players nos mercados de derivativos de Bitcoin e Ethereum?
GV: O Bitcoin Futuros foi lançado em dezembro de 2017, porque a CME estava ouvindo os clientes falarem sobre isso. Estávamos vendo que havia interesse no Bitcoin. Então começamos a explorar o mercado, e foi assim que começamos a trabalhar com a CF Benchmarks e a projetar a taxa de referência, com o lançamento do Bitcoin Futuros no fim de 2017.
Os provedores tradicionais de liquidez, que são entidades que fornecem liquidez em outros produtos da CME, começaram a ter preponderância nas operações naquele momento. O produto começou, em seguida, a atrair alguns dos fundos focados em criptomoedas e algumas plataformas nativas em concessão e tomada de empréstimo em criptomoedas.
À medida que o tempo passou e o mercado ficou mais confortável e maduro, começou no verão de 2020 (do Hemisfério Norte) - durante a pandemia - a entrada de alguns participantes institucionais mais tradicionais, especialmente de fundo de hedges macro. Em outubro de 2021, vimos o lançamento do ETF baseado em futuros, cujos gestores utilizaram nossos contratos futuros como referência. Dessa forma, alguns gestores de recursos começaram a negociar cada vez mais esses derivativos de criptomoedas.
Com a introdução dos contratos micro, que valem um décimo tanto do Bitcoin como do Ethereum, consolidamos a entrada do varejo nesse mercado. Os contratos micros também permitiram que as instituições usassem esses produtos para testar novas estratégias. Temos então um mix muito diversificado de participantes, inclusive bancos.
Todos eles usam nossos produtos para gerenciamento de risco, como também para executar estratégias de negociação. Há muita variabilidade no preço do Bitcoin e Ethereum, seja à vista, o ETF, ou uma plataforma de derivativos não regulamentada. Isso cria muitas oportunidades de negociação.
Inv.com: O que são essas negociações?
GV: Uma negociação muito popular é o chamado de “cash and carry”, na qual fundos de criptomoedas negociam nossos futuros versus preço à vista em uma exchange. Como os fundos de hedge tradicionais que não têm acesso ao mercado à vista, eles negociam, por exemplo, nossos futuros versus um ETF. Há muitas oportunidades de negociação diferentes e muitos casos de uso diferentes para diferentes clientes.
Inv.com: Uma dessas estratégias é como se fosse Long and Short do mercado de ações?
GV: Tem alguns players que podem ter uma visão direcional, outros procuram armar um produto contra outro. Outro produto interessante da perspectiva de trades que temos é os futuros da razão entre Ethereum e Bitcoin, que também tem liquidação em dinheiro.
Mas, em vez de negociar em operações independentes Bitcoin e depois Ethereum, o trader pode negociar essa relação em uma única operação. O investidor pode negociar o número de Bitcoin necessários para manter um Ethereum e esse número atualmente é 0,04, vai até seis casas decimais.
Se o trader projeta que o Ethereum vai superar o Bitcoin, compra o contrato. Se o investidor achar o contrário, vende o contrato. Desde que lançamos esse contrato em julho do ano passado, quando o lançamos, a razão estava em torno de 0,06, 0,07. Isso significa que o Bitcoin continua superando o Ethereum, com essa razão caindo desde então.
Inv.com: Onde os investidores podem operar esses produtos?
GV: Nossos produtos são globais e qualquer pessoa que pode abrir uma conta em corretora pode negociar nossos produtos, que são acessíveis tanto para o investidor de varejo como para traders ativos, assim como para instituições.
Para os nossos produtos de criptomoedas, não temos um acordo com a B3 (BVMF:B3SA3) para os brasileiros investirem diretamente neles. Mas, os clientes brasileiros podem abrir uma conta no exterior e negociar nossos produtos.
Inv.com: Uma das grandes notícias do Bitcoin este ano foi o lançamento dos ETFs de bitcoin à vista da BlackRock (NYSE:BLK) e outras gestoras, o que ampliou a possibilidade de investidores institucionais se posicionar na maior criptomoeda do mercado. Mas, a CME Group há anos tem um produto para institucionais. Qual é a diferença de mercado entre o período de lançamento dos futuros da CME e agora para os ETFs à vista?
GV: A introdução dos ETFs à vista nos EUA foi certamente um desenvolvimento significativo para o ecossistema. Mas, não acredito que esses produtos poderiam ter existido, particularmente os ETFs à vista, sem a existência de um contrato futuro líquido, como temos no CME. Quando você olha para esses produtos, somos referência em seis dos dez novos ETFs de Bitcoin à vista.
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O que vimos desde a introdução dos ETFs é um aumento no volume de negociação. No acumulado de 2024, nossos volumes estão maiores do que o dobro comparado com o mesmo período do ano passado. São negociados de US$ 4 a 5 bilhões por dia, contra por volta de US$ 2 bilhões no ano passado.
O mesmo raciocínio vale para nossos contratos micro, que estão cerca de sete vezes maiores. São entre US$ 200 e 300 milhões por dia em micro de Bitcoin, contra US$ 30 milhões diários em 2023. Houve aumentos semelhantes no Ethereum.
Parte desse crescimento é atribuível a alguma atividade de hedge, por exemplo, que vemos em torno do cálculo do valor líquido dos ativos para os ETFs. Os provedores de liquidez e os participantes autorizados para os ETFs estão se apoiando na liquidez dos contratos futuros do CME para ajudar no processo de criação e resgate desses ETFs.
A novidade dos ETFs foi trazer um novo conjunto de investidores para o mercado, que eram curiosos sobre criptomoedas e Bitcoin, mas não se sentiam confortáveis em abrir uma conta em uma exchange não regulamentada.
Agora há nomes de referência, como a BlackRock, que ajudam todo mundo a realmente entender porque eles deveriam pensar em investir em Bitcoin. O que é importante sobre essa criptomoeda em particular? O que é importante sobre ela? Como ela pode tornar as coisas melhores? Por que você deveria estar alocando para isso?
Isso atrai mais participantes para o mercado. À medida que os ETFs crescem, os futuros crescerão. É uma relação simbiótica na qual os ETFs crescerão por causa dos futuros, mas os futuros também crescerão por causa dos ETFs.
Inv.com: Há uma correlação entre as tendências macroeconômicas e o preço das criptomoedas? Por exemplo, em 2020, tivemos uma política fiscal e monetária muito expansiva que contribuiu para o aumento de preços. E agora em 2024, havia essa mesma expectativa, mas se realizando de uma forma mais limitada devido a uma política monetária mais restritiva.
GV: É complicado estabelecer essa correlação. Acho que há períodos em que as taxas de juros e os ativos criptos podem se mover em conjunto e há períodos em que simplesmente não o fazem.
E essa tendência consistente realmente não está lá. O que notamos é que as pessoas vão buscar o melhor retorno para seu investimento. Se as taxas de juros estão caindo, pode haver menos interesse em ter seu dinheiro sentado em uma conta que rende juros, na qual os investidores podem olhar para outras oportunidades de negociação em que podem lucrar mais.
O catalisador do mercado cripto este ano foi a antecipação dos ETFs e o halving do Bitcoin. Depois houve mudanças nas taxas de juros e alguns riscos geopolíticos adicionais. E eleições, não apenas nos EUA, mas eleições em vários países.
Uma coisa é certa: há muita incerteza no mundo. Os preços do Bitcoin e do Ethereum mais do que dobraram no ano passado, e este ano, com algum ciclo de baixa, o Bitcoin ainda está por volta de 40% de alta. Os investidores buscam realmente se mover para onde eles antecipam que haverá um retorno maior para seu dinheiro.
Inv.com: Como a regulamentação contribui para o bom desenvolvimento das criptomoedas?
GV: A CME é um marketplace de derivativos operando em mercados regulados. Somos regulados pela CFTC nos EUA. A regulação para a CME é um recurso, não um problema, é algo fundamental.
Para qualquer produto que lançamos, entramos em contato com o regulador, testando a temperatura de onde eles estão com relação ao que estamos procurando fazer. Se você olhar para o que fizemos desde a introdução das taxas de referência em 2016, agora temos uma família de 24 taxas de referência e índices em tempo real cobrindo 24 criptomoedas diferentes. Temos futuros e opções de Bitcoin e de Ethereum.
Mas, a regulação é um esforço coletivo para fazer esse mercado crescer. Acho que a comunidade cripto precisa trabalhar com os reguladores, assim como os reguladores também precisam trabalhar com as empresas nativas em criptomoedas.
Com certeza, o Bitcoin não vai desaparecer. Talvez algumas altcoins sumam, por ter várias delas no mercado, mas o Bitcoin e algumas outras serão sobreviventes.