Por Jessica Bahia Melo
Investing.com – O ano de 2023 deve ser difícil e trazer um primeiro teste para um Banco Central independente. Não há indicativos de que os juros devem aliviar tão cedo. Juros em patamares elevados devem fazer subir as despesas do tesouro, aumentando a dívida e desacelerando a economia. Esses foram alguns dos principais entendimentos dos economistas que participaram nesta quinta-feira do IV Seminário de Análise Conjuntural realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBRE) e o jornal O Estado de S. Paulo.
Os especialistas também acreditam que o governo eleito terá, entre os desafios para o ano que vem, o enfrentamento à inflação e, para isso, vai precisar lidar com um crescimento do produto mais baixo. Um possível aumento na carga tributária pode ser necessário diante dos impactos fiscais da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que foi aprovada no Senado e segue para apreciação na Câmara dos Deputados.
José Júlio Senna, chefe do Centro de Política Monetária do FGV/IBRE, estima que o Brasil não deve apresentar crescimento robusto no ano que vem, o que pode frustrar o novo governo. “O momento é de dar as mãos com o Banco Central e enfrentar o problema da inflação”. Senna traçou um paralelo com a situação no Reino Unido. A então primeira-ministra Liz Truss renunciou ao cargo após perder apoio de seu partido. Truss foi duramente criticada por um grande pacote fiscal que visava combater a inflação no país, impulsionada pela crise energética com o conflito Rússia-Ucrânia. Segundo ele, “o mercado pune, seja aqui ou na Europa”, o que pode afetar os juros futuros brasileiros.
Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do FGV/IBRE, completa que, se o governo quiser trazer a inflação à meta, será necessário reduzir o crescimento econômico por meio de juros. “O desafio da inflação vai exigir crescimento mais baixo”, aponta o trade-off.
PEC da Transição e arcabouço fiscal
Senna também defendeu uma divulgação logo de um novo arcabouço fiscal e pondera que não seria prudente começar um novo governo com uma política fiscal demasiadamente contracionista. Por outro lado, o equilíbrio fiscal de longo prazo precisa de mais ênfase do novo governo. “O fiscal preocupa muito. É indiscutível que as contas públicas estão em mal estado e o orçamento para o ano que vem é uma obra de ficção”.
Responsabilidade fiscal é necessária para o crescimento econômico, segundo Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV/IBRE. A especialista concorda com a expansão no teto de gastos, pois acredita que o ano que vem será difícil pelo cenário internacional e pela necessidade de controle inflacionário. “O processo pode ser doloroso”, avalia. O primeiro desafio do novo governo seria entender o estado da economia e tomar decisões capazes de superar esses obstáculos ao crescimento.
Matos defendeu uma agenda de aumento da produtividade da economia brasileira e concorda que os juros não devem diminuir tão cedo. A economista afirmou que é preciso achar espaço para política social, mas o desafio é encontrar novas receitas diante de um aumento do gasto público. O aumento da dívida previsto para o ano que vem cria um cenário de incerteza e não é possível combater a pobreza com problemas fiscais, que tendem a gerar mais inflação, disse a economista.
Cenário internacional
Os desafios econômicos locais terão que ser enfrentados em um cenário internacional mais hostil, com políticas monetárias contracionistas de elevação de juros visando o controle inflacionário e a tendência de desaceleração da economia mundial.
Os preços de commodities menos favoráveis podem tornar mais escassos os investimentos para empresas relacionadas a esses setores, de acordo com Castelar. Por outro lado, a flexibilização da política covid-zero da China deve ser um dos impulsionadores. “O cavalo-de-pau que a China deu em relação à covid tende a gerar crescimento maior e beneficiar empresas de commodities”, pondera.
No entanto, o ritmo de aperto monetário nos Estados Unidos preocupa e o mercado não está avaliando bem os riscos envolvidos, segundo Julio Senna. O economista destacou que, com o compromisso para trazer a inflação para baixo, o Federal Reserve ainda terá um caminho longo e pedregoso. Sobre o mercado de trabalho americano, Senna detalha que o estoque de vagas tem reduzido e a geração de empregos continua forte, em um patamar mais alto do que a média das últimas três décadas. Além disso, o crescimento da economia medido pelo índice do Fed de Chicago mostra que a crescimento à média histórica. “O mercado financeiro gosta do autoengano. Powell recentemente anunciou redução no ritmo de alta de juros. Mesmo mencionando diversos problemas, foi o suficiente para o mercado adorar e isso, a meu ver, não é sustentável”, critica.
A visão de Castelar é mais pessimista ainda. Para o economista, vai ser difícil trazer uma inflação sem ao menos ter uma recessão nos Estados Unidos. “Com essa ideia de que crescer apenas abaixo do potencial possibilitaria a queda, acho que o Fed está muito otimista. Acredito que, quando o mercado acordar para isso, vamos ter mais medo e repercussões aqui dentro”, completa.