Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - O tradicional gosto dos norte-americanos por hambúrgueres pode se reverter em um grande negócio para a indústria brasileira de carne bovina, após o acordo sanitário assinado entre os dois países nesta semana, disse um consultor sênior do setor.
Com a oficialização do pacto, após negociações de 17 anos, o Brasil está liberado finalmente para exportar carne in natura para os EUA, que já são o principal mercado da chamada carne industrializada (cozida) brasileira.
"Existe uma coisa que precisa ser estudada: hambúrguer nos Estados Unidos tem até mercado futuro, o americano é tarado por hambúrguer", disse o diretor técnico da consultoria IEG FNP, José Vicente Ferraz, ressaltando o potencial desse segmento para o Brasil.
O mercado dos EUA, os maiores consumidores globais de carne bovina, poderia representar exportações de 900 milhões de dólares para o Brasil, segundo estimativa do governo brasileiro, que também aponta benefícios indiretos do acordo, como a posterior a abertura de outros mercados como Japão e Coreia do Sul, importadores de carne de alta qualidade.
O Brasil é o maior exportador global de carne bovina.
O consultor da FNP citou ainda uma complementariedade muito grande para a oferta do Brasil, já que o hambúrguer normalmente é feito de "carne de segunda", da parte dianteira dos bovinos, que tem preços bastante competitivos no Brasil, onde a preferência dos consumidores é pela picanha e outros cortes, produzidos com a parte traseira.
"Há uma complementariedade muito grande para o Brasil, que tem a maior parte da produção feita a partir de gado zebuíno, que produz uma carne com menos gordura entremeada... mas que para hambúrguer não tem importância... Então isso é uma vantagem importante para o Brasil."
O analista comentou que o Brasil poderia exportar a parte dianteira do boi para produzir o hambúrguer nos EUA ou poderia exportar o hambúrguer pronto.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) destacou em nota à Reuters que o Brasil é um dos países que podem exportar dentro de uma cota anual de 64,8 mil toneladas livre de tarifas, que abrange diversos outros países de origem.
A associação detalhou que apenas dois tipos de cortes nobres que estão isentos de tarifa de entrada nos EUA, dentro da cota.
Para caso da carne de dianteiro, segundo Ferraz, o Brasil ainda conseguirá ser bastante competitivo, apesar de uma tarifa de 26,4 por cento.
A presença da companhia brasileira JBS (SA:JBSS3) nos EUA, que tem um faturamento muito maior em território norte-americano do que no Brasil, também seria um facilitador de negócios.
"A JBS tem uma estrutura gigante, com marcas próprias, ela pode tanto importar matéria-prima para processar nas indústrias, como até mesmo importar do Brasil", comentou Ferraz.
Procurada, a JBS informou que não vai comentar o assunto pois está em período de silêncio antes de resultados trimestrais.
MERCADO DE CORTES
O Brasil também teria competitividade para avançar no mercado de cortes nos Estados Unidos, principalmente na cota sem tarifa, disse o diretor da FNP.
Nesse segmento, na opinião de Ferraz, o Brasil entraria em um mercado que não é nem o da carne premium, concorrido por Uruguai, Austrália e Argentina, nem aquele de preços muitos baixos, dominado pela carne de Índia.
"Em princípio, acredito que nós devemos entrar em uma faixa média do mercado... É um produto de boa qualidade, mas que tem um preço mais baixo que o mercado premium", disse ele, lembrando o Brasil aproveitaria justamente um segmento com participação de um maior número de consumidores.
Segundo ele, o embarque de carne in natura para o mercado de cortes começaria de forma mais lenta, até porque alguns exportadores ainda precisariam criar canais de distribuição. Já a exportação para hambúrgueres poderia avançar mais rapidamente.
A Abiec disse que o Brasil deverá começar exportações de carne in natura dentro de 30 dias, mais que "ainda é preciso sentir o mercado" para que se faça uma estimativa de volumes que poderão ser embarcados ainda em 2016.
A entidade estimou que em 2017 o Brasil poderá ocupar no mínimo 50 por cento da cota isenta de tarifa de entrada nos EUA, com volumes adicionais entrando no mercado norte-americano com o pagamento da tarifa.