Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) - A explícita divisão entre a posição mais flexível de diretores do Banco Central indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a visão mais dura do grupo no posto desde a gestão Jair Bolsonaro levantou preocupações em parte da equipe econômica do governo, segundo relatos colhidos pela Reuters com autoridades nesta quinta-feira.
Falando sob condição de anonimato, algumas fontes dos ministérios da Fazenda e do Planejamento demonstraram receio de uma possível perda de credibilidade da autoridade monetária, que em breve passará a ter maioria de indicados por Lula, enquanto a batalha contra a inflação ainda não está vencida.
Outra parte das autoridades ouvidas pregou cautela até que o BC explique a divergência da diretoria.
“Péssimo, ambos os lados erraram, confesso que fiquei surpreso. No geral, defendo a divergência em colegiados, inclusive no Copom, mas ontem não era o dia. Todos perderam, e o país junto”, disse uma das autoridades.
Na quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por 5 votos a 4, reduzir o ritmo de afrouxamento monetário e baixar a Selic em 0,25 ponto percentual, para 10,50% ao ano. O grupo derrotado na votação, que defendeu um corte mais forte, de 0,50 ponto, é formado por todos os diretores que foram indicados por Lula -- Ailton de Aquino, Gabriel Galípolo, Paulo Picchetti e Rodrigo Teixeira.
Na avaliação dessa fonte, ao identificar que não teria maioria para um corte mais intenso na Selic, o grupo “perdedor” deveria ter cedido, fazendo com que ao menos parte dos indicados por Lula votasse também pela redução de 0,25 ponto nos juros básicos. Isso, para ela, eliminaria os ruídos políticos e passaria visão de um BC preocupado com a inflação.
“Se já ia perder, (ao menos) mantém a credibilidade com o mercado”, afirmou. “Credibilidade de um BC é tudo que ele tem. Sem isso desmorona, a taxa de sacrifício sobe muito, o custo de se controlar a inflação fica muito mais dolorido para a sociedade.”
Em meio à reação negativa de agentes econômicos após a decisão, com deterioração de indicadores como câmbio e bolsa brasileira nesta quinta, uma segunda fonte afirmou que será difícil retirar do mercado a impressão de viés político no comando do BC, e restaurar “algo distinto do que eles já consolidaram como verdade”.
“A distinção nítida (entre os dois grupos da diretoria) não foi feliz para a institucionalidade do Copom e para uma transição sem sobressaltos”, afirmou.
Atualmente, dos nove diretores do BC, quatro foram indicados por Lula, enquanto cinco estão no posto desde a gestão de Bolsonaro. Os próximos mandatos a vencer, em dezembro deste ano, são de Campos Neto, Carolina Barros e Otávio Damaso.
Outras duas fontes defenderam cautela na avaliação preliminar sobre a decisão do Copom, com uma delas afirmando que a questão deve se esclarecer à frente, em referência à ata da reunião do colegiado, a ser publicada na próxima semana com uma abertura maior de detalhes sobre as divergências entre os diretores.
Uma delas ainda criticou o momento escolhido pelo BC para reduzir o ritmo do afrouxamento monetário, em meio a um cenário de juros reais ainda elevados e inflação corrente apresentando comportamento benigno.
“Acho uma precipitação absurda do BC. Ter parcimônia com juro real a 7%, para quê? É complicado”, avaliou.
Uma quinta autoridade, ao também defender que se aguarde o detalhamento a ser dado pela ata do Copom, ressaltou que apesar da divergência, o comunicado mostrou consenso na visão geral da diretoria do BC sobre o cenário econômico.
O documento divulgado na noite de quarta mostrou que o Copom, unanimemente, "avalia que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior cautela".