Por Rodrigo Viga Gaier e Lisandra Paraguassu
RIO DE JANEIRO/BRASÍLIA, 29 Mai (Reuters) - O abastecimento de combustíveis apresentou melhoras em alguns Estados nesta terça-feira, com a redução do movimento de paralisação dos caminhoneiros, ao mesmo tempo que o governo do presidente Michel Temer anunciava o fim de bloqueios em estradas e autoridades apuravam o envolvimento de empresários e movimentos políticos na greve.
No nono dia de protestos iniciados na semana passada contra a alta do diesel, as autoridades também buscavam alternativas para aumentar a concorrência no setor de distribuição de combustível, e o ministro da Segurança Pública endureceu o discurso contra o que o governo tem afirmado ser elementos infiltrados entre os caminhoneiros e contra empresários que acusam de locaute.
"A situação está melhorando. No Rio de Janeiro já há postos com algum combustível. Em Brasília já não há mais bloqueio nas bases de distribuição, com caminhões saindo em comboios e postos já abastecendo", disse o diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) Aurélio Amaral.
"Dependendo da logística de cada lugar, volta ao normal em cerca de uma semana, mas em alguns lugares até mais de uma semana", acrescentou.
Em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que não há mais estradas bloqueadas, embora tenha reconhecido que ainda existem pontos de concentração, especialmente em perímetros urbanos, e que há muito a fazer para se falar em normalidade do abastecimento.
"Há em alguns casos de concentrações e piquetes que não envolvem caminheiros", disse Padilha.
Na mesma coletiva, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sergio Etchegoyen, disse que na segunda-feira aconteceram as primeiras prisões causadas por pessoas infiltradas, no Maranhão. Segundo o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, nenhum dos sete presos por obstruírem as vias era caminhoneiro.
A atual crise de desabastecimento de combustíveis é considerada pela ANP a maior já registrada no país ao menos desde a abertura do mercado de petróleo do país, em 1997, quando o governo acabou com o monopólio da Petrobras (SA:PETR4) no setor.
Em São Paulo, onde estão as principais refinarias do país, a situação segue "bem complicada", porque ainda há muitos bloqueios e caminhoneiros que resistem em encerrar o movimento, segundo o diretor da ANP.
A região do Porto de Suape, em Pernambuco, também é vista como ainda em estado "crítico", segundo ele, que classificou a situação como "ruim" em Minas Gerais, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Sergipe.
O governo considera ter respondido às demandas dos caminhoneiros por meio de um pacote de medidas em atendimento às principais exigências da categoria, como a redução do preço do óleo diesel.
Resta, contudo, tentar fechar as contas. O governo aguarda a aprovação da reoneração da folha de pagamento pelo Congresso para definir de onde sairão os recursos para compensar o desconto no diesel, como negociado, mas garante que não virá de aumento de impostos.
Na avaliação do governo, a continuidade das paralisações se deve a um locaute promovido por distribuidoras. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, chamou empresários do setor de distribuição de combustíveis de "inescrupulosos" em entrevista nesta terça-feira à rádio CBN, e disse que eles vão pagar pelo que afirma ser um locaute.
“Você pode ter certeza de que a partir de hoje, nós vamos começar a encontrar esses infiltrados, nós vamos multar essas empresas, que serão 100 mil reais por hora", disse o ministro à rádio.
O ministro afirmou que uma investigação ampla está em andamento para descobrir os movimentos políticos que estariam infiltrados na paralisação dos caminhoneiros com a tentativa de atingir o governo e a estabilidade do país.
O locaute, que é proibido por lei, ocorre quando empresários impedem funcionários de trabalhar.
Os duros comentários do ministro sobre distribuidoras foram recebidos com surpresa pela associação que representa as distribuidoras de combustíveis, a Plural (ex-Sindicom), que chegou a apontar para uma possível confusão do ministro entre distribuidoras e transportadoras de combustíveis.
Questionado pela Reuters se mantinha a declaração sobre as distribuidoras, Jungmann respondeu, por mensagem, que sim, mas acrescentou as transportadoras também estão entre as empresas responsáveis pelo que afirma ser um locaute.
"As duas (transportadoras e distribuidoras), mas não todas, é claro, mas várias", disse.
Segundo o ministro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também foi acionado para apurar abusos. Nesta terça-feira, o órgão divulgou nove propostas para aumentar a concorrência.
"Apesar de o setor de combustíveis ser o principal alvo de denúncias de prática de cartel no Brasil, defende-se que nem todos os problemas desse mercado são provocados por condutas anticompetitivas", disse o órgão.
Entre as propostas, o Cade sugere a extinção da vedação à importação de combustíveis pelas distribuidoras; repensar a proibição de verticalização do setor de varejo de combustíveis; permitir que produtores de álcool vendam diretamente aos postos; permitir postos de autosserviços; e repensar a forma de tributação do combustíveis e também a substituição tributária do ICMS.
PREJUÍZOS
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) ainda não divulgou nesta terça-feira dados atualizados sobre a paralisação dos caminhoneiros, que está impedindo a livre circulação de mercadorias no país. Até o início da tarde de segunda-feira, a PRF contabilizava 556 pontos de paralisação.
Os efeitos da greve para as empresas e a economia do país ainda não foram totalmente mensurados, mas o setor de carnes é um dos mais prejudicados.
Das 109 plantas de produtoras de carne bovina no país, 107 estão paradas, sendo que as outras duas operam com menos de 50 por cento da capacidade, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). Além disso, 3.750 caminhões carregados estão parados nas rodovias do Brasil e vão começar a perder a validade a partir desta quarta-feira.
"Os dados ainda são preliminares e muitos prejuízos ainda não foram contabilizados, mas é certo que somente a cadeia produtiva da pecuária de corte já deixou de movimentar valores da ordem de 8 bilhões a 10 bilhões de reais", acrescentou a associação.
A situação também é crítica para as exportadoras, devido ao bloqueio das rodovias de acessos a portos. Alguns exportadoras de soja, um dos principais itens de exportação do Brasil, já estão analisando a possibilidade de declarar "força maior", segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
Em nota conjunta, nesta terça-feira, os presidentes da República, Michel Temer, da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), fizeram um apelo aos caminhoneiros para que voltassem ao trabalho, depois do acordo fechado com o governo, e que evitem que o movimento seja usado com "objetivos políticos".
(Com reportagem José Roberto Gomes e Raquel Stenzel)