Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O Banco Central avaliou nesta quinta-feira que o grau de repasse cambial ao aumento de preços na economia tende a ser atenuado pela ancoragem das expectativas de inflação, atividade econômica fraca e ociosidade das empresas, reforçando que a escalada do dólar frente ao real será analisada a fundo antes de motivar eventual elevação nos juros básicos.
Em seu Relatório Trimestral de Inflação, publicado nesta quinta-feira, o BC repetiu que não há relação mecânica entre choques recentes e a política monetária. Num estudo em separado, reconheceu que quanto maior a depreciação cambial, maior o coeficiente de repasse, sendo que para cada 1 ponto percentual de aumento na depreciação, o coeficiente de repasse cambial se eleva na faixa de 0,11 ponto a 0,19 ponto.
Mas ao mesmo tempo, apontou que este movimento tende a ser relativizado por outros fatores.
"Aplicando o modelo para o período recente, referente ao segundo e terceiro trimestres de 2018, constata-se que, embora a magnitude da depreciação cambial atue para um repasse cambial mais alto, a ancoragem das expectativas, a posição no ciclo econômico e a margem operacional das empresas contribuem para reduzir o grau de repasse cambial quando comparado a outros momentos", disse o BC.
Mais cedo nesta semana, o BC já havia avaliado que o nível de repasse cambial tem se mostrado contido, com exceção de alguns preços administrados, mas reforçou que as medidas de inflação subjacente se elevaram para níveis apropriados.
Na semana passada, na última reunião antes da eleição do próximo presidente do Brasil, o BC manteve a taxa básica de juros em 6,50 por cento ao ano, seu menor nível histórico. De lá para cá, vem ressaltando que poderá elevar os juros à frente caso veja uma piora do cenário atual, conforme as incertezas ligadas às eleições vêm guiando uma escalada do dólar frente ao real.
"Se prevalecer esse câmbio que está hoje no Focus, o BC tem espaço para manter Selic em 6,5 por mais tempo e começar a retirada de estímulo provavelmente nos primeiros meses do ano que vem", disse o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, refereindo-se à pesquisa semanal que o BC faz junto a economistas.
"Agora no caso de um câmbio mais depreciado em razão das incertezas eleitorais ou mesmo pelo agravamento do cenário externo em função de guerra comercial, você pode ter um BC antecipando alta de juros para este ano, após as eleições", completou ele, que vê o dólar mais alto ao final deste ano, o que implicaria um aperto nos juros já em 2018.
O fortalecimento da moeda norte-americana pode aumentar os preços de importados e acelerar a inflação, embora o desemprego elevado e a alta capacidade ociosa das empresas tendam a limitar esse repasse -- mensagem que foi reforçada pelo BC nesta quinta-feira.
"Como as expectativas de inflação permanecem bem ancoradas, e os efeitos secundários sobre os preços advindos de choques primários como a depreciação do real não têm se materializado integralmente, projetamos que a taxa Selic permanecerá estável em 6,5 por cento até o final de 2018", avaliou o Bradesco (SA:BBDC4) em nota a clientes.
ATIVIDADE MAIS FRACA
No relatório, o BC piorou sua projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil a 1,4 por cento neste ano, sobre 1,6 por cento antes, prevendo uma aceleração para 2,4 por cento no ano que vem.
O BC ressaltou que a estimativa para 2018 foi feita em meio a "elevado grau de incerteza", sendo o número "condicionado ao cenário de continuidade das reformas e ajustes necessários na economia brasileira".
Os mercados têm enfrentado volatilidade recente pelas dúvidas acerca do comprometimento e força política do próximo presidente para implementar mudanças que coloquem as contas públicas nos trilhos.
Apesar das mudanças, os números do BC ficaram praticamente em linha com os do ministérios da Fazenda e do Planejamento, que preveem uma elevação de 1,6 por cento do PIB neste ano e de 2,5 por cento no ano que vem. Já o mercado vê a atividade crescendo 1,35 por cento em 2018 e 2,5 por cento em 2019, conforme pesquisa Focus mais recente.
O BC afirmou que a economia "segue operando com elevado nível de ociosidade dos fatores de produção, refletido nos baixos índices de utilização da capacidade da indústria e, principalmente, na taxa de desemprego". Mas destacou, por outro lado, que a retomada da atividade tem se traduzido em redução gradual dessa ociosidade.
No documento, o BC analisou os efeitos da paralisação do setor de transporte de cargas nas expectativas para o PIB, identificando um impacto negativo relevante. A esse respeito, pontuou que a greve dos caminhoneiros, que ameaçou o desabastecimento no Brasil no fim de maio, "teve efeito imediato e expressivo sobre a atividade econômica".
"Além do impacto direto sobre a atividade, a paralisação afetou a confiança dos agentes em relação à recuperação econômica, com possíveis impactos sobre as decisões de produção, consumo e investimento", disse o BC.
"Embora as projeções para a evolução do PIB no terceiro trimestre tenham permanecido relativamente estáveis no pós-greve, indicando crescimento expressivo, a trajetória é consistente com a percepção de que a evolução mensal da atividade econômica nesse período se mostra mais moderada relativamente à dinâmica implícita nas expectativas que eram observadas no período anterior à paralisação", completou.