SÃO PAULO (Reuters) - A perspectiva da política de tabelamento de frete ser sancionada pelo governo e aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) está levando um número crescente de empresas do país a buscar montadoras de caminhões para traçarem cenários em que seria viável a aquisição de veículos próprios como forma de minimizar o impacto de novos preços mínimos de transporte.
Montadoras como Mercedes-Benz e Volvo afirmam terem identificado nas últimas semanas aumento de sondagens de transportadores e embarcadores sobre aquisição de frotas de caminhões, enquanto empresas menores, como pequenos produtores rurais, já estão encomendando veículos.
A procura é mais concentrada em empresas com cuja produção é distribuída pelo país e em produtores rurais que podem passar a ser responsáveis por levar seus produtos a compradores se a mudança na forma como a logística agrícola é realizada se confirmar a partir da legalização do tabelamento do frete.
Em muitos casos, é difícil até estimar o impacto do preço mínimo de frete sobre as operações das empresas, dadas questões como a falta de uniformidade das condições das estradas. Ao avaliar o custo de uma frota própria, as empresas conseguem ter referência própria sobre o custo real do transporte.
"Está todo mundo se preparando, pedindo cotação, fazendo cenários, vendo outros modelos (de caminhão). Dependendo do resultado, após 27 de agosto, pode ter corrida por produto", afirmou o vice-presidente de vendas de caminhões e ônibus da Mercedes-Benz do Brasil, Roberto Leoncini.
A data mencionada é dia marcado para que o ministro do STF Luiz Fux realizar uma audiência pública sobre o tabelamento do frete e que servirá de base para proferir uma decisão sobre a legalidade da medida alvo de vários processos judiciais desde que foi anunciada pelo presidente Michel Temer no fim de maio.
"Essas grandes geradoras de carga que não têm frota própria vão preferir ter um modelo híbrido para terem visibilidade do custo de frete", disse Leoncini. "É muito difícil da noite para o dia passar de um modelo totalmente tercerizado em logística para um de frota própria. Não é só comprar caminhão, tem que contratar motorista, planejar paradas de descanso, rastreamento, abastecimento. É simples de falar, mas é bem complexo de fazer."
Segundo ele, a tabela também deve causar mudanças nas transportadoras, que devem ter estímulo adicional de ampliação de frota, uma vez que o tabelamento deve nivelar preços de frete. Com isso, os serviços das transportadoras podem ficar mais atraentes em relação aos prestados por caminhoneiros autônomos, que nem sempre possuem veículos tão novos, mas que antes da tabela tinham preços mais atraentes.
A Volvo comentou em comunicado que percebeu "um aumento nas sondagens por parte de alguns embarcadores. Mas, até o momento, esses contatos são apenas para estudos e avaliações, sem impacto em vendas".
A montadora sueca produz no Brasil caminhões pesados e semipesados e afirmou que "coincidentemente, o mercado brasileiro de caminhões pesados vem registrando uma forte elevação nos primeiros seis meses do ano".
As vendas de caminhões no Brasil no primeiro semestre subiram quase 50 por cento sobre mesma etapa do ano passado, para 32 mil unidades, das quais 14 mil corresponderam a veículos pesados, uma expansão de 87 por cento, segundo dados da associação de montadoras Anfavea.
Até agora são raros os casos de empresas que admitiram a possibilidade de verticalizar operações logísticas como consequência da tabela de frete. A Cargill, uma das maiores exportadoras do Brasil, afirmou em julho que avaliava ter frota própria de caminhões e contratar motoristas.
Leoncini disse que a Cargill, uma das maiores exportadoras de grãos do país, manifestou interesse em mil caminhões. "Soja você compra no futuro, e nisso você embute uma expectativa de valor de frete. E é isso que gera o desconforto no setor", disse o vice-presidente comercial da Mercedes-Benz. "A trading no ano passado provavelmente fez uma conta de quanto gastaria de frete agora e essa conta virou pó. Por isso, algumas empresas estão começando a avaliar frotas que garantam uma previsão de percentual de frete médio", disse Leoncini.
Já a Ambev (SA:ABEV3) afirmou no mês passado acompanhar de perto as discussões jurídica e legislativa sobre o tabelamento do frete rodoviário antes de decidir sobre os caminhos a adotar. "É muito cedo e tem muita discussão...É muito difícil chegar a uma conclusão, especialmente num momento em que as informações mudam a cada dia, a cada semana", disse o vice-presidente financeiro da Ambev, Fernando Tennenbaum.
Falando à Reuters em 20 de julho, o presidente em exercício da Fiesp, José Roriz Coelho, disse ser contra uma tabela de frete rodoviário mínimo obrigatório, mas via com bons olhos a criação de uma lista de referência para balizar negociações de custos de transporte com caminhoneiros.
Segundo Leoncini, com base em conversas com transportadoras, a expectativa do setor é que algum tabelamento obrigatório vai acabar entrando em vigor no país após o posicionamento do STF. "Em alguns trechos, sem a tabela, o preço do frete era surreal. Às vezes não cobria o custo da viagem", disse o executivo.
(Por Alberto Alerigi Jr.)