Por Eduardo Simões
SÃO PAULO (Reuters) - O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, editou portaria nesta sexta-feira que prevê a deportação sumária de "pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal", numa medida que parlamentares da oposição disseram que visa retaliar o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, por sua vez, disse que a portaria é um ato de rotina da pasta e que vinha sendo discutida desde 2017. Afirmou, ainda, que a medida não permite a expulsão de estrangeiros em casos vedados em lei, como no dos que são casados com brasileiros e têm filhos brasileiros. Greenwald é casado com o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ), com quem tem dois filhos adotivos.
O jornalista norte-americano, que mora no Brasil, é fundador do site que revelou supostas mensagens trocadas entre Moro, quando era o juiz responsável pelos processos da Lava Jato em Curitiba, e procuradores que atuam na operação. As alegadas conversas indicariam colaboração de Moro com os membros do Ministério Público Federal (MPF) responsáveis por apresentarem acusações nos processos da Lava Jato.
Moro e o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, negam quaisquer irregularidades e afirmam não reconhecer a autenticidade das supostas mensagens, que afirmam ter sido obtidas de forma criminosa por hackers.
"Esta portaria regula o impedimento de ingresso, a repatriação, a deportação sumária, a redução ou cancelamento do prazo de estada de pessoa perigosa para a segurança do Brasil ou de pessoa que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal", afirma o primeiro artigo da portaria, de número 666, publicada no Diário Oficial da União.
O texto considera pessoas perigosas ou que tenham praticado atos contrários à Constituição os suspeitos de envolvimento em terrorismo, em grupo criminoso organizado que tenha armas à disposição, em tráfico de drogas, armas ou pessoas, em pornografia ou exploração sexual infantojuvenil e em torcida com histórico de violência em estádios.
Nesta semana, a Polícia Federal prendeu quatro suspeitos de hackearem o celular de Moro, de um desembargador, de um juiz federal e de dois delegados da PF. De acordo com o Ministério da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro também foi alvo dos alegados hackers.
A PF disse ter indícios de que os suspeitos atacaram os telefones de mil pessoas. Entre os alvos dos supostos hackers estariam autoridades como os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, além do ministro da Economia, Paulo Guedes, e da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
De acordo com informações veiculadas na imprensa, um dos suspeitos presos disse que entregou a Greenwald mensagens obtidas com o hackeamento de forma anônima e sem pedir pagamento em troca. O jornalista afirma ter obtido as mensagens de uma fonte anônima.
REAÇÃO
Partidos e parlamentares de oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro criticaram a portaria de Moro.
"A publicação da Portaria 666 é uma ameaça e uma afronta de um ministro da Justiça que usará seus poderes políticos para calar as vozes da oposição", disse o PT em sua conta no Twitter.
O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), usou a mesma rede social para classificar a portaria assinada por Moro de "estranhíssima".
"Estranhíssima portaria (nº 666!) do ministro Moro prevendo a deportação de estrangeiros 'perigosos'. Perigosos para quem? Para a reputação dele? Não aceitaremos o cerceamento de garantias individuais. Não vamos tolerar supressão da liberdade de imprensa. Não rasgarão a Constituição!", escreveu o parlamentar.
O próprio Greenwald também usou o Twitter para reagir à portaria, que classificou como "terrorismo".
"Hoje Sergio Moro decidiu publicar aleatoriamente uma lei sobre como os estrangeiros podem ser sumariamente deportados ou expulsos do Brasil 'que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal.' Isso é terrorismo", criticou.
A portaria também gerou críticas de entidades de defesa dos direitos humanos, como a Conectas, que disse que a portaria é contrária à nova Lei de Migração.
"Diante de uma acusação, qualquer pessoa, seja brasileiro ou migrante, tem o direito de apresentar sua defesa perante um juiz. Na prática, o que esta portaria faz é restringir este direito, estabelecendo um prazo curto para que o migrante constitua e apresente sua defesa", afirmou Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.
Já o Ministério da Justiça e Segurança Pública, disse em nota que a portaria visa regulamentar a Lei de Migração para "proteger o Brasil ao evitar a entrada de pessoas suspeitas de crime de terrorismo ou de tráfico de drogas".
"Essa ação estava prevista, é rotina dentro do ministério. Precisamos de instrumentos que deem agilidade para o Estado de retirar pessoas perigosas que nem deveriam ter entrado no Brasil", disse, André Furquim, diretor do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça, de acordo com nota do ministério.