Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Dias Toffoli, suspendeu nesta terça-feira todos os processos que tramitam no país e que tenham por base o compartilhamento de informações da Receita Federal, Banco Central e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com o Ministério Público sem autorização judicial.
A decisão de Toffoli beneficia diretamente o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que tem inquéritos baseados em informações levantadas pelos órgãos de controle.
A decisão do presidente do Supremo, a qual a Reuters teve acesso, atendeu um pedido da defesa do senador, que acusa o MP de ter criado um "atalho" ao usar as informações levantadas pelo Coaf para abrir a investigação sem ter autorização judicial.
Em sua decisão, o presidente do STF alega que sem uma decisão do plenário da corte sobre a questão da necessidade de autorização judicial, todos os processos que tenham por base dados obtidos pelos órgãos de controle sem intermediação do Judiciário podem vir a ser considerados nulos posteriormente.
"Portanto, a depender do que se decidir no paradigma da
controvérsia, o risco de persecuções penais fundadas no compartilhamento de dados bancários e fiscais dos órgãos administrativos de fiscalização e controle com o Ministério Público, sem o adequado balizamento dos limites de informações transferidas, podem redundar em futuros julgamentos inquinados de nulidade por ofensa às matrizes constitucionais da intimidade e do sigilo de dados", escreveu o ministro.
A sessão que tratará do tema está marcada para 21 de novembro deste ano.
Toffoli argumenta que essa possibilidade o levou a "suspender o processamento de todos os processos judiciais em andamento, que tramitem no território nacional e versem sobre o assunto discutido nestes autos".
O presidente do STF diz ainda que o Ministério Público vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC), sem supervisão judicial", o que seria "temerário do ponto de vista das garantias constitucionais" e que seria "prudente" suspender que assistem a qualquer procedimento que tramita no país para evitar "eventual usurpação de competência do Poder Judiciário."
A questão da competência dos órgãos de controle surgiu depois do vazamento de informações fiscais do ministro do STF Gilmar Mendes e familiares, quando se suspeitou que os auditores estariam tomando a iniciativa de investigar contribuintes, o que estaria fora da sua área de atuação.
A decisão de Toffoli foi alvo de críticas do coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro, procurador da República Eduardo El Hage, que a classificou de um "retrocesso sem tamanho".
"A decisão monocrática do presidente do STF suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil", disse o procurador.
"O que é pior, ao exigir decisão judicial para utilização dos relatórios do Coaf, ignora o macrossistema mundial de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e aumenta o já combalido grau de congestionamento do Judiciário brasileiro. Um retrocesso sem tamanho que o MPF espera ver revertido pelo plenário o mais breve possível."
Flávio está sendo investigado pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro por suspeita de prática de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa por desvio de recursos na Assembleia Legislativa do Rio.
A defesa alega que o MP só pediu a quebra de sigilo bancário e fiscal do senador quando já tinha em mãos dados levantados pelo Coaf.
O órgão fez um levantamento de operações suspeitas de políticos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e enviou ao MP no ano passado.
"A decisão de hoje do STF é apenas cumprimento da lei. Se faz justiça e determina que o sigilo bancário de todo e qualquer cidadão brasileiro só seja quebrado com autorização do Poder Judiciário", disse o advogado Frederick Wassef, que representa Flávio.
"Sem sombra de dúvida ele (Flávio) foi vítima de inúmeras irregularidades, ilegalidades, um trabalho direcionado e uma literal perseguição", acrescentou.
Ao ser questionado sobre o caso, o presidente Jair Bolsonaro disse não ter ainda tomado conhecimento da decisão.
"Não estou sabendo ainda e quem fala sobre decisão de ministros são os advogados", disse.
(Reportagem adicional de Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro)