Por Bernardo Caram e Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O governo decidiu ajustar a proposta de arcabouço fiscal para evitar que saltos de arrecadação gerem níveis insustentáveis de investimentos públicos, além de assegurar que o crescimento do gasto seja amparado apenas por receitas recorrentes, evitando distorções geradas por ganhos extraordinários, disse o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.
“Quando se fala em limitar o investimento, ainda sim você terá um bônus importante se você tiver uma boa performance (fiscal). Nós criamos um mecanismo equilibrado”, afirmou o secretário em entrevista à Reuters.
A regra geral já divulgada prevê um piso para investimentos, que começará em 75 bilhões de reais e será reajustado anualmente pela inflação. O governo poderá ampliar essa cifra se for compatível com o cumprimento de suas metas.
O arcabouço também estabelece um bônus para ser aplicado em obras públicas nas situações em que o governo superar o teto da meta fiscal. Mas, pela nova formulação, se essa boa performance ocorrer, haverá um limite máximo para o desembolso adicional em investimentos.
A limitação será equivalente a um terço do piso estabelecido para esses desembolsos, o que representaria aproximadamente 25 bilhões de reais, disse o secretário.
O restante dessa sobra de verba, se houver, poderá ser usada para outras finalidades, como abatimento da dívida pública ou pagamentos extraordinários de precatórios, acrescentou.
No segundo ajuste da regra, o governo decidiu considerar apenas receitas recorrentes para embasar o cálculo dos gastos do ano seguinte. Isso evitará que ganhos extraordinários, como um grande leilão de petróleo, uma outorga de concessão ou uma privatização distorçam momentaneamente as contas do governo e autorizem um gasto adicional artificial no ano seguinte.
Desse modo, o crescimento padrão da despesa do governo será limitado a 70% da alta da receita líquida, excluídos esses ganhos extraordinários. A alta na despesa ficará entre 0,6% e 2,5% acima da inflação, pela regra.
“Fomos nas grandes rubricas que têm potencial para gerar esse efeito extraordinário relevante. Coisas extraordinárias, como cessões onerosas, royalties, outorgas de concessões”, disse. “Contratar despesas permanentes com base naquilo pode ser um problema, então essas linhas foram excluídas (da conta)”.
As mudanças foram feitas após rodadas de conversas com agentes do mercado e especialistas em Orçamento e, embora tragam uma limitação adicional das despesas públicas, contaram com o aval do Palácio do Planalto, destacou o secretário.
De acordo com Ceron, esses ajustes não mudam as projeções do governo para a trajetória das contas públicas com o arcabouço, que preveem déficit primário zerado em 2024 e superávit fiscal a partir de 2025.
GASTOS OBRIGATÓRIOS
Na entrevista, Ceron ecoou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao defender que gastos obrigatórios do governo sejam rediscutidos para dar sustentabilidade às despesas, evitando uma compressão de outras áreas.
Com a aprovação do arcabouço, será retomada automaticamente a regra constitucional que vincula os gastos mínimos de saúde e educação a um percentual da arrecadação, o que, para ele, gera fortes oscilações que podem comprometer a eficiência da despesa.
“A gente vai recompor o piso da saúde e da educação no ano que vem, o que vai exigir um esforço fiscal, vai ocupar espaço no Orçamento e diminuir o espaço que outras áreas gostariam de ter”, disse. “Daqui para frente, vamos sentar de uma forma racional e pensar em uma política de valorização que seja sustentável no tempo”, afirmou.
De acordo com o secretário, não há proposta fechada para as duas áreas, mas entre as possibilidades estudadas estariam um reajuste anual dos gastos em saúde e educação considerando a variação do PIB per capita ou até mesmo um percentual fixo acima da inflação.
Segundo ele, essa análise também passa por discussões no governo sobre a política de reajuste do salário mínimo, que impacta os gastos públicos com benefícios sociais e previdenciários.
Ceron afirmou ainda que a apresentação do arcabouço mudou o eixo do debate sobre as contas públicas, eliminando temores sobre uma eventual explosão de gastos ou um descontrole do endividamento. Para ele, a boa receptividade da proposta pode abrir caminho para uma redução dos juros no país.
“A expectativa dos agentes por um cenário fiscal controlado reflete na expectativa de inflação futura. Isso é capturado pelos modelos do Banco Central”, afirmou.
O secretário afirmou que os dados observados mostram que o investidor estrangeiro está retornando ao Brasil, citando demanda elevada pelos títulos públicos emitidos pelo Tesouro no mercado internacional na semana passada, além da percepção de presença dos não residentes nos leilões da dívida interna.
Segundo ele, o governo quer criar um ambiente favorável para intensificar esse movimento e buscar patamares próximos a 20% na participação de estrangeiros na dívida pública --hoje o nível está em 9,8%.