Por Bernardo Caram e Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - Às vésperas de assumir a presidência do G20, o Brasil está se preparando para adotar uma tributação mínima de 15% sobre o lucro de empresas multinacionais, iniciativa que integra agenda do grupo para combater a evasão fiscal numa economia cada vez mais global e digital, disse a secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito.
“O que eu posso dizer é que a Receita (Federal) já está se organizando para a implementação dessa tributação mínima sobre as multinacionais,” afirmou ela em entrevista à Reuters.
Procurada, a Receita não se manifestou.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que publicou em outubro um manual sobre o tema em parceria com o G20, então sob a presidência da Índia, defende que grandes multinacionais arquem com uma taxa mínima de 15% sobre seus lucros em todas as jurisdições onde operam, cortando assim os incentivos para que remetam ganhos para países onde usufruem de vantagens tributárias.
Nas contas da OCDE, o imposto global mínimo, que já começou a ser implementado em países como Coreia do Sul e Japão, poderá levantar até 200 bilhões de dólares em receitas adicionais anualmente.
Na presidência do G20, que começará oficialmente em dezembro, o Brasil também apoiará a orientação da OCDE para que os países implementem uma tributação sobre a chamada economia digital, segundo a secretária, tema que encontra resistência de países como os Estados Unidos, sede de big techs.
Mas Rosito reconheceu que, em relação a este pilar, ainda não chegou-se a um acordo final de adesão por todos os países, sendo que sua implementação é complexa e demanda assistência técnica para cálculo do quanto será possível tributar em cada região.
A secretária também enfatizou que o Brasil quer “ir além” na discussão tributária global com o objetivo de diminuir diferenças entre economias avançadas e emergentes e estimular a agenda verde.
“Uma das principais mensagens que o Brasil quer trazer para o G20 é que essa mobilização maciça global de recursos para a transição ecológica parte de uma nova relação entre o público e o privado,” disse Rosito, pontuando que países desenvolvidos já estão lançando mão de vultosas somas em subsídios e incentivos.
“O alerta que o Brasil traz é: se o mundo não reconhecer que você precisa que esses incentivos estejam calibrados globalmente, você arrisca criar um novo ciclo de divergência econômica global”, acrescentou.
Tributaristas ouvidos pela Reuters avaliaram que o impacto para o Brasil da nova regra de tributação mínima dependerá do formato proposto pela Receita Federal, considerando que o país já tem uma tributação sobre a renda e o lucro das empresas que alcança 34%, mais que o dobro do patamar mínimo de 15% estipulado no acordo global.
Para a sócia do GVM Advogados Maria Carolina Sampaio, o Brasil tem uma situação diferente de outros países e a implementação alíquota mínima pode não ter grande efeito na arrecadação.
“Temos uma política cambial que induz as empresas estrangeiras a se estabelecerem no país e, por aqui, a tributação das empresas já é elevada", afirmou.
FMI
A secretária afirmou que o Brasil também pretende mobilizar a agenda de bancos multilaterais para que reduzam a burocracia na análise de empreendimentos e criem mecanismos para oferecer garantias e seguros a projetos de longo prazo, buscando também minimizar riscos cambiais.
Outra posição histórica do Brasil é a defesa de maior representatividade de países emergentes em organismos multilaterais, ela disse, complementando que o país, à frente do G20, seguirá buscando o realinhamento de cotas no Fundo Monetário Internacional (FMI), ainda que isso não seja feito de maneira concomitante ao aumento de capital que será votado no fim deste ano.
Rosito afirmou que o Brasil é capaz de mitigar essa e outras divergências em debates globais sobre temas de grande impacto por ser, tradicionalmente, “um fazedor de consensos internacionais” e ter papel relevante em discussões que envolvem o mundo emergente e a agenda de sustentabilidade.
“Trazer para a discussão da agenda global a desigualdade em todas as suas dimensões é um grande fio condutor da agenda brasileira”, disse.