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"Cada vez menos resíduos": como a inflação deixou os argentinos mais pobres

Publicado 18.07.2022, 09:55
© Reuters. Paola Godoy, que trabalha como catadora de resíduos, coloca garrafas vazias de leite em sacola para serem recicladas em Lomas de Zamora, nos subúrbios de Buenos Aires
08/07/2022 REUTERS/Agustin Marcarian

Por Nicolás Misculin

BUENOS AIRES (Reuters) - Joaquín Rodríguez, um catador de 24 anos, é uma vítima impensada da inflação galopante da Argentina: devido à crise, ele encontra cada vez menos resíduos para reciclar ao passar diariamente pelas ruas de Lomas de Zamora, nos subúrbios de Buenos Aires, com seu enorme carro.

A menor quantidade de lixo não afeta apenas milhares de argentinos pobres como Rodríguez que sobrevivem vendendo garrafas de plástico, papelão ou vidro, mas também é um sinal da queda do consumo causada pela perda de poder aquisitivo da população.

"Cada vez juntamos menos (resíduos). As pessoas não têm escolha a não ser fazer o mesmo trabalho que nós: há cada vez mais catadores e menos resíduos", disse Rodríguez, considerando que a mudança vem sendo observada desde maio devido à alta inflação.

Com uma escassez crônica de moeda estrangeira e um alto déficit fiscal, a Argentina não conseguiu deixar para trás uma crise prolongada que se aprofundou com a pandemia de coronavírus e que atingiu as intenções de reeleição do presidente Alberto Fernández.

Embora a economia tenha voltado a crescer em 2021, o futuro ficou envolto em sombras por uma inflação que este ano chegará a 76%, segundo o último levantamento com especialistas realizado pelo banco central. Em junho, a inflação foi de 5,3% e os analistas preveem que ela acelere em julho.

A pobreza, que havia sido reduzida para 37,3% da população no ano passado, subirá para 40% no segundo semestre de 2022, "basicamente devido à inflação e porque não estão sendo criados mais empregos", disse Agustín Salvia, da Universidade Católica Argentina (UCA).

"É difícil que ocorra um processo virtuoso neste contexto de instabilidade macroeconômica; o investimento é muito baixo", acrescentou o especialista em pobreza.

Segundo a consultoria privada Focus Market, o consumo caiu 4,5% em junho em relação ao mesmo mês de 2021 e acumula queda de 2,4% nos primeiros seis meses do ano.

"Aqueles que costumavam retirar papelão duas vezes por dia, de manhã e à tarde, retiram apenas uma vez por dia, porque não há vendas", disse Paola Godoy, de 40 anos, à Reuters em meio a enormes fardos de plástico, papelão e nylon que os recicladores carregavam nas costas.

Godoy preside a cooperativa de reciclagem Jóvenes en Progreso, que produz bolsas de nylon com o material que os catadores pegam nas portas das lojas, mercados e casas em Lomas de Zamora. O papelão é vendido a 37 pesos por quilo (0,29 dólares na taxa de câmbio oficial supervalorizada) para grandes empresas.

INSTABILIDADE

A terceira maior economia da América Latina fechou um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em março para reprogramar dívida de 44 bilhões de dólares, que estabelece, entre outras metas, a redução da inflação, que se tornou o maior problema econômico do país.

"O consumo das pessoas caiu porque as coisas ficaram muito caras... e isso produz uma queda nas vendas para nós", disse Marcela Cid, 58, proprietária de duas lojas em San Fernando, norte de Buenos Aires.

© Reuters. Paola Godoy, que trabalha como catadora de resíduos, coloca garrafas vazias de leite em sacola para serem recicladas em Lomas de Zamora, nos subúrbios de Buenos Aires
08/07/2022 REUTERS/Agustin Marcarian

"Quando vamos substituir (mercadoria) encontramos preços diferentes. Antes eu ia comprar com 100.000 (pesos) dos meus fornecedores e hoje preciso de 170.000 ou 180.000", contou.

Buscando estabilizar a economia, a nova ministra da área, Silvina Batakis, anunciou na semana passada uma série de medidas ortodoxas que acalmaram os mercados.

No entanto, permanece a incerteza sobre a relação entre o presidente de centro-esquerda Fernández e sua poderosa vice, Cristina Fernández de Kirchner, cujas disputas acirradas geraram problemas financeiros nos últimos meses.

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