Por Nicolás Misculin
BUENOS AIRES (Reuters) - Joaquín Rodríguez, um catador de 24 anos, é uma vítima impensada da inflação galopante da Argentina: devido à crise, ele encontra cada vez menos resíduos para reciclar ao passar diariamente pelas ruas de Lomas de Zamora, nos subúrbios de Buenos Aires, com seu enorme carro.
A menor quantidade de lixo não afeta apenas milhares de argentinos pobres como Rodríguez que sobrevivem vendendo garrafas de plástico, papelão ou vidro, mas também é um sinal da queda do consumo causada pela perda de poder aquisitivo da população.
"Cada vez juntamos menos (resíduos). As pessoas não têm escolha a não ser fazer o mesmo trabalho que nós: há cada vez mais catadores e menos resíduos", disse Rodríguez, considerando que a mudança vem sendo observada desde maio devido à alta inflação.
Com uma escassez crônica de moeda estrangeira e um alto déficit fiscal, a Argentina não conseguiu deixar para trás uma crise prolongada que se aprofundou com a pandemia de coronavírus e que atingiu as intenções de reeleição do presidente Alberto Fernández.
Embora a economia tenha voltado a crescer em 2021, o futuro ficou envolto em sombras por uma inflação que este ano chegará a 76%, segundo o último levantamento com especialistas realizado pelo banco central. Em junho, a inflação foi de 5,3% e os analistas preveem que ela acelere em julho.
A pobreza, que havia sido reduzida para 37,3% da população no ano passado, subirá para 40% no segundo semestre de 2022, "basicamente devido à inflação e porque não estão sendo criados mais empregos", disse Agustín Salvia, da Universidade Católica Argentina (UCA).
"É difícil que ocorra um processo virtuoso neste contexto de instabilidade macroeconômica; o investimento é muito baixo", acrescentou o especialista em pobreza.
Segundo a consultoria privada Focus Market, o consumo caiu 4,5% em junho em relação ao mesmo mês de 2021 e acumula queda de 2,4% nos primeiros seis meses do ano.
"Aqueles que costumavam retirar papelão duas vezes por dia, de manhã e à tarde, retiram apenas uma vez por dia, porque não há vendas", disse Paola Godoy, de 40 anos, à Reuters em meio a enormes fardos de plástico, papelão e nylon que os recicladores carregavam nas costas.
Godoy preside a cooperativa de reciclagem Jóvenes en Progreso, que produz bolsas de nylon com o material que os catadores pegam nas portas das lojas, mercados e casas em Lomas de Zamora. O papelão é vendido a 37 pesos por quilo (0,29 dólares na taxa de câmbio oficial supervalorizada) para grandes empresas.
INSTABILIDADE
A terceira maior economia da América Latina fechou um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em março para reprogramar dívida de 44 bilhões de dólares, que estabelece, entre outras metas, a redução da inflação, que se tornou o maior problema econômico do país.
"O consumo das pessoas caiu porque as coisas ficaram muito caras... e isso produz uma queda nas vendas para nós", disse Marcela Cid, 58, proprietária de duas lojas em San Fernando, norte de Buenos Aires.
"Quando vamos substituir (mercadoria) encontramos preços diferentes. Antes eu ia comprar com 100.000 (pesos) dos meus fornecedores e hoje preciso de 170.000 ou 180.000", contou.
Buscando estabilizar a economia, a nova ministra da área, Silvina Batakis, anunciou na semana passada uma série de medidas ortodoxas que acalmaram os mercados.
No entanto, permanece a incerteza sobre a relação entre o presidente de centro-esquerda Fernández e sua poderosa vice, Cristina Fernández de Kirchner, cujas disputas acirradas geraram problemas financeiros nos últimos meses.