Por Geoffrey Smith
Investing.com – De repente, as coisas começaram a melhorar na Europa. Bem, pelo menos um pouco.
Primeiro, as boas notícias. O desastre energético que ameaçou atingir a Europa há onze meses, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, não se concretizou, graças a uma combinação de determinação política, necessidade econômica e pura sorte.
O aumento dos preços e a queda da confiança levaram a indústria da zona do euro e do Reino Unido a reduzir drasticamente o uso do gás natural. A demanda das fábricas caiu 25% em dezembro na Itália e 32% na Alemanha, segundo estimativas do think tank Bruegel, com sede em Bruxelas. O prolongado período de temperaturas mais altas do que o normal reduziu a demanda residencial em todo o continente, ao mesmo tempo em que arruinou a temporada de esqui.
A Europa já passou da metade da estação de calefação, e as instalações de armazenamento de gás ainda estão – surpreendentemente – 74,8% cheias, acima dos níveis de pico dos últimos anos. Os contratos futuros referenciais do gás natural do noroeste da Europa atingiram nesta semana o menor patamar desde setembro de 2021, com os operadores e órgãos reguladores descartando o risco de uma crise no gás.
Tudo isso se reflete, ainda que imperfeitamente, no índice de gerentes de compra da S&P Global (NYSE:SPGI) para a zona do euro, o qual superou esta semana a linha de 50 pela primeira vez desde julho, o que geralmente indica crescimento.
É verdade que o Banco Central Europeu já havia antecipado muito disso em dezembro, quando elevou suas projeções de crescimento para este ano para 0,5%. Os analistas do JPMorgan (NYSE:JPM) agora estimam que o avanço pode chegar a 1,0%, não muito abaixo do que os analistas enxergam para o médio prazo.
A economia está recebendo impulsos positivos de frentes importantes: segundo estimativas do BCE, os governos da zona do euro incluíram em seus orçamentos para o próximo ano medidas de apoio equivalentes a 1,6% do PIB da região, principalmente na forma de subsídios à energia. Já a retomada econômica da China tende a reanimar a demanda por bens de exportação da zona do euro e – exceto em caso de catástrofe – removerá os problemas remanescentes da cadeia de suprimentos que atormentaram a indústria europeia nos últimos três anos.
Mas, se tudo isso parece bom demais para ser verdade, bem, provavelmente é.
Basta olhar para os preços do gás, por exemplo. A € 55 por megawatt-hora, ainda custa mais do que o triplo da média dos anos anteriores à crise atual e, se assim permanecer, ameaça acabar com o que ainda resta da indústria que faz uso intensivo de energia na Europa. Esse preço se traduz em mais de US$ 17,5 por milhão de unidades térmicas britânicas, mais de seis vezes o que a indústria dos EUA paga no centro de distribuição de Henry.
A capacidade da indústria europeia de se manter competitiva nesses preços foi posta seriamente em dúvida. A produção do setor na Alemanha caiu 12,9% em novembro em relação ao ano anterior, e a BASF, a maior empresa química do país e uma das que personificam sua dependência ao gás russo barato, já alertou que terá que reduzir drasticamente suas operações em sua terra natal.
Ainda há a natureza desse apoio fiscal. Quando confrontados com a emergência do ano passado, os governos da zona do euro se endividaram para diminuir o declínio esperado na produção devido à guerra. Embora seja um objetivo perfeitamente legítimo, significa que a política fiscal da zona do euro provavelmente pesará sobre a atividade após 2024.
Adicione a isso a desaceleração nos Estados Unidos e no Reino Unido, que juntos receberam quase três vezes mais exportações da zona do euro do que a China no último ano antes da pandemia. A recuperação da economia do Reino Unido em relação à bagunça pós-Brexit simplesmente não conseguirá absorver o mesmo nível de bens da zona do euro como antes.
E a Europa tampouco conseguiu se desvencilhar da energia russa barata. Embora tenha reduzido as importações de carvão, petróleo e gás natural a quase zero, ainda não deu o passo decisivo de proibir as importações de produtos refinados russos, especificamente o diesel. Enquanto alguns analistas acreditam que o mercado de petróleo conseguirá conter o impacto nos preços com essa medida — que entrará em vigor na próxima semana —, ninguém espera que ela baixe o preço do combustível indispensável para grande parte da indústria pesada e do transporte.
E isso nos leva novamente à guerra na Ucrânia. É verdade que o conflito forçou a Europa a incorporar custos mais elevados em sua economia. Nesta semana, os Estados Unidos e seus aliados ocidentais concordaram com uma grande mudança política para fornecer tanques pesados em seus próximos pacotes de ajuda, aumentando a perspectiva da guerra e suas respectivas convulsões econômicas.
Tudo isso significa que o Banco Central Europeu terá que cumprir suas ameaças de continuar apertando a política monetária, para que a inflação não saia de controle. A reunião do BCE de dezembro foi marcada por uma clara mudança na retórica do banco sobre as pressões inflacionárias e os riscos de “efeitos secundários”, em que os consumidores tentam compensar a perda de poder aquisitivo com aumentos salariais, alimentando uma nova rodada de inflação. Até mesmo o superflexível economista-chefe do BCE, Philip Lane, alertou que a instituição terá que permanecer vigilante em relação às consequências do aumento da inflação nos próximos anos.
Portanto, um brinde à zona do euro: o pior provavelmente foi evitado, mas o cenário mais provável ainda não é muito animador.