Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O futuro ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, terá como desafio se equilibrar entre o receituário do presidente Jair Bolsonaro para o enfrentamento ao coronavírus ao mesmo tempo em que tentará fazer deslanchar a vacinação no país e melhorar a relação com Estados e municípios, que cobram um aumento de leitos para os pacientes de Covid-19 no pior momento da pandemia no Brasil.
No dia em que foi registrado um novo recorde de mortes pela doença no país, com 2.841 óbitos notificados nas últimas 24 horas, Queiroga se reuniu pela primeira vez com o atual ministro da pasta, Eduardo Pazuello, para iniciar o trabalho. A expectativa é que o futuro ministro atue em linha com Bolsonaro e não defenda medidas de fechamento de comércio e restrição de circulação de pessoas, como um lockdown nacional.
Em pronunciamento, o novo ministro não fez uma defesa do isolamento social ou de medidas mais drásticas de restrição da circulação de pessoas que estão sendo adotadas por governadores e prefeitos nos últimos dias em razão do agravamento da crise sanitária no país e o colapso em hospitais e outras unidades de saúde.
Bolsonaro é um crítico desse tipo de medidas, alegando que os prejuízos econômicos são mais sérios do que o próprio vírus.
Em linha com o discurso do presidente, o novo ministro afirmou se favorável a uma atuação que proteja a economia.
"É preciso unir os esforços de enfrentamento da pandemia com a preservação da atividade econômica, para garantir emprego, para garantir renda e para garantir recursos para que as políticas públicas de saúde tenham consecução", disse o futuro ministro.
Queiroga defendeu o uso de máscara e lavar as mãos como medidas preventivas contra a Covid-19 que podem evitar a paralisação da economia e, ao reconhecer que não vai fazer "nenhuma mágica", disse que espera combater a pandemia com contribuições baseadas no melhor da evidência científica. A julgar por declarações que deu anteriormente, deve evitar se posicionar a favor de tratamentos com medicamentos como a cloroquina.
“O governo está trabalhando. As políticas públicas estão sendo colocadas em prática. O ministro Pazuello anunciou todo o cronograma da vacinação. A política é do governo Bolsonaro. A política não é do ministro da Saúde. O ministro da Saúde executa a política do governo”, disse ele a jornalistas mais cedo ao chegar para sua primeira reunião no ministério nesta terça, antes mesmo da publicação de sua nomeação em Diário Oficial.
“O ministro Pazuello tem trabalhado arduamente para melhorar as condições sanitárias do Brasil e eu fui convocado pelo presidente Bolsonaro para dar continuidade a esse trabalho”, acrescentou.
A avaliação de parlamentares aliados do presidente, segundo fontes relataram à Reuters nos últimos dias, é que o ministro da Saúde que deixará o cargo, Eduardo Pazuello, perdeu condições de permanecer no cargo após os sucessivos atrasos no calendário de vacinação contra Covid-19, problemas logísticos e ainda acusações de erros no colapso do sistema de saúde em Manaus no início do ano.
Nesse ínterim, Pazuello tornou-se alvo de uma investigação criminal do Supremo Tribunal Federal (STF) em razão da gestão da pasta e o governo Bolsonaro ainda está sob ameaça de ser alvo uma CPI do Senado.
Ao tomar vacina contra o vírus em janeiro, Queiroga já defendeu a imunização em massa.
"A vacina contra a Covid-19 é um direito de todos e dever do Estado brasileiro. O momento é de união para ampliar a cobertura vacinal e conter a pandemia", disse ele, em postagem no Twitter.
TRABALHO BEM FEITO
A troca --o quarto ministro da Saúde do governo em menos de um ano-- ocorre após o presidente registrar queda na popularidade e da recente reabilitação política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Marcelo Queiroga não deverá contar ainda com apoio declarado da principal força política de Bolsonaro no Congresso, o centrão, uma vez que os nomes do grupo político na disputa pelo Ministério da Saúde foram preteridos pelo presidente.
O centrão buscou emplacar a médica Ludhmila Hajjar, que acabou recusando o convite do presidente após ter ficado evidente que ela iria buscar uma linha de atuação diversa da de Bolsonaro.
Outro nome do grupo, o do deputado Doutor Luizinho (PP-RJ), não chegou a ganhar tração após a rápida escolha de Queiroga --nome ligado ao primogênito do presidente, senador Flávio Bolsonaro (Progressistas-RJ), para o cargo.
Na única declaração pública que deu sobre a mudança, na segunda-feira à noite a apoiadores, Bolsonaro deu o tom da gestão e disse que Queiroga "tem tudo para fazer um bom trabalho dando prosseguimento em tudo que Pazuello fez até hoje”.
Segundo Bolsonaro, Queiroga vai trabalhar em programas para “cada vez mais para diminuir o número de pessoas que venham a óbito por essa doença que se abateu no mundo todo”.
“Então, o trabalho do Pazuello foi muito bem feito, a parte de gestão foi bem feita por ele e agora vamos partir para uma parte mais agressiva no combate ao vírus”, completou.
Até o momento, o país vacinou apenas 2,4% da população acima de 18 anos com duas doses --menos de 4 milhões de brasileiros-- ao mesmo tempo em que ostenta os piores índices de mortes por Covid-19 no mundo atualmente.
Desde a semana passada o Brasil é o líder mundial, na média dos últimos sete dias, em mortes por Covid-19, com 1.841 por dia, e em número de casos, com cerca de 66.800 registros. A expectativa de especialistas e autoridades públicas é que esta semana a situação se agrave ainda mais.
Não bastasse isso, a imensa maioria das 27 unidades da Federação está com superlotação de leitos de UTI de Covid-19.
"Novo ministro... descarta lockdown. Hoje, 16/3, quando assumir vai se deparar com os piores números da pandemia. Recorde de óbitos hoje será em alta escala. Sugestão: não se posicione contra o lockdown nacional", disse João Gabbardo, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde e atual coordenador executivo do Centro de Contingência de Combate ao Coronavírus do governo paulista.