Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta terça-feira que a dúvida sobre a capacidade do Brasil de crescer estruturalmente começou a entrar no prêmio de risco, voltando a jogar luz sobre um tema que tem ressaltado em suas últimas falas públicas.
Ao participar virtualmente de evento promovido pela Febraban, ele afirmou que se o país tiver crescimento de 1% e juros estruturais mais altos, "aí é outra trajetória de dívida", em referência a um cenário significativamente pior.
Campos Neto frisou que o Brasil precisa continuar com reformas e mostrar que existe arcabouço fiscal, que ele tem credibilidade e que será seguido.
"Precisamos de união de políticas em torno de gerar eficiência e produtividade nos próximos anos", afirmou.
Ele repetiu que o Brasil pagou "preço em termos de credibilidade muito grande para um desvio fiscal que não é tão grande" com a solução desenhada pela PEC dos Precatórios, que altera a janela de correção do teto de gastos e impõe um limite ao crescimento anual das despesas com sentenças judiciais perdidas em definitivo pela União.
"Existe a percepção de que a forma como foi feita abalou o arcabouço fiscal que existia. Lembrando que o arcabouço fiscal é muito importante", disse.
O presidente do BC chamou novamente a atenção para a melhoria dos dados fiscais brasileiros, destacando que a inflação é parte da explicação, mas há outros fatores positivos na equação, como o aumento estrutural da arrecadação, em parte pela aceleração do comércio online em função da pandemia.
Mesmo com a aprovação da PEC, que abre um espaço orçamentário de mais de 100 bilhões de reais no ano eleitoral de 2022, a perspectiva é de um déficit primário em torno de 1% do PIB no ano que vem, argumentou Campos Neto.
"Ou seja, um encolhimento de fiscal comparado com 2020 grande. A gente está bastante bem comparado com alguns outros países", afirmou.
Ele também reiterou que o BC revisará para baixo sua projeção para o crescimento econômico em 2022, ante alta de 2,1% divulgada em setembro, mas não na magnitude apontada pelos agentes no boletim Focus.
"Vai ser mais baixo que 2,1%, mas nós não estamos tão baixo como essa mediana do Focus aí", disse ele. "Entendemos que tem alguns componentes que nos fazem crer que vai ser um pouco melhor do que isso."
A expectativa mais recente dos agentes é de alta do PIB de apenas 0,58% no ano que vem.
INFLAÇÃO
Na avaliação do presidente do BC, o mundo se preparou em função da pandemia de coronavírus para uma depressão que não veio, colocando volume de dinheiro muito grande em circulação.
Agora há inflação um pouco mais persistente, com deslocamento grande e para cima da demanda de bens, com uma "normalização de juros que tende a ser um processo que acho que ainda vai continuar por um tempo".
Especificamente sobre o Brasil, ele pontuou que há em curso um surto inflacionário local acompanhado de importação de inflação.
"É desafio diferente, é disseminação na cadeia diferente", afirmou.
Campos Neto reconheceu que o BC começou a ver "pequeno descolamento" nas expectativas de inflação para 2023, e um nível de desancoragem para 2022 "muito parecido" com o que foi visto em 2017, chegando no topo da banda.
"A gente tem endereçado isso, tem reagido, tem tentado agir com maior transparência possível para que os agentes entendam exatamente a forma como nós estamos olhando e mensurando isso", afirmou.
A Selic está atualmente em 7,75% ao ano e o BC indicou no fim de outubro que antevia nova alta de 1,5 ponto percentual na taxa em sua próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em 7 e 8 de dezembro, em seu esforço de colocar os juros básicos em território "significativamente contracionista" para domar a inflação.