BRASÍLIA (Reuters) - O secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, admitiu o debate para a retirada dos precatórios da regra do teto de gastos, frisando que o importante é que uma solução seja encontrada para a pesada conta em 2022 das derrotas sofridas em definitivo pela União na Justiça.
Ao participar de audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara dos Deputados, Funchal inicialmente defendeu a Prosposta de Emenda à Constituição (PEC) do governo, que propõe um parcelamento para o pagamento dessas despesas.
Ele reiterou que a saída seria uma forma de compatibilizar o crescimento dos precatórios com a regra do teto de gastos, considerada a principal âncora fiscal do país.
Mas no fim da audiência de mais de quatro horas --que contou com a participação de outros convidados que teceram duras críticas à PEC-- Funchal deixou a porta aberta para o debate sobre a retirada dos precatórios do teto.
"Agora o debate é qual é a melhor forma para endereçar esse problema", disse. "Pelo menos nas falas (durante a audiência) é não trazer esse parcelamento e retirar do teto de gastos. Então acho que agora é discutir essas alternativas."
"Acho que o mais importante é avançar no debate, passar por essa fase aqui na CCJ, e ir pro debate para endereçar esse problema da melhor forma e rapidamente, até para que a gente possa fazer os devidos ajustes no Orçamento", completou.
Os precatórios para o ano que vem somam 89,1 bilhões de reais, ante 54,7 bilhões de reais em 2021. Como são despesas de caráter obrigatório, os precatórios acabam retirando espaço, sob a regra do teto, para outros gastos do governo, incluindo a almejada expansão do Bolsa Família.
O primeiro vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), indicou durante a audiência que irá protocolar uma outra PEC prevendo a retirada dos precatórios do teto de gastos. [S0N2PY01P]
Segundo Ramos, sua proposta é deduzir dos 89 bilhões de reais que vencem de precatórios no ano que vem os valores relativos aos precatórios de 2016.
Isso, segundo ele, "abriria o espaço fiscal de 20 bilhões de reais, muito próximos dos 26 bilhões que o governo precisa para atualizar e para melhorar o programa de transferência de renda, o Bolsa Família".
Oposição à PEC
No início da sua fala, Funchal defendeu que o aumento da conta de precatórios foi "tão grande" que comprimiu as despesas discricionárias "muito mais do que se imaginava", situação que tende a continuar acontecendo no futuro próximo.
Ele também pontuou que a perspectiva de parcelamento já está dada na Constituição, mas com parâmetros que tornam a regra inócua dado o alto volume de precatórios.
Hoje, o parcelamento é possível quando um precatório sozinho representa mais de 15% dos precatórios totais para determinado exercício. Nesse caso, o governo federal quita sua obrigação em seis vezes, com entrada de 15% e mais cinco parcelas anuais.
Já a PEC do governo divide em dez parcelas o pagamento dos precatórios de mais de 66 milhões de reais e impõe uma limitação provisória dos pagamentos anuais de precatórios a 2,6% da receita corrente líquida, o que também sujeitará precatórios entre 66 mil reais e 66 milhões de reais a eventual parcelamento. Pelo texto, os precatórios de até 66 mil reais serão integralmente quitados.
Com a benção do ministro da Economia, Paulo Guedes, a equipe econômica também estava contando com a chamada solução CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para o problema dos precatórios. Alinhavada com o Supremo Tribunal Federal (STF), a ideia era limitar o crescimento dessas despesas pela regra do teto de gastos através de uma regulamentação do CNJ.
Mas após a postura de enfrentamento adotada pelo presidente Jair Bolsonaro em relação à corte no feriado de 7 de Setembro, essa saída ganhou contornos incertos.
Durante a audiência, a PEC do Executivo foi duramente criticada por outros convidados. Presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP, Tathiane Piscitelli insistiu que a proposta é inconstitucional em diversas frentes e abre caminho para a judicialização.
Sócio da Tendências Consultoria Integrada, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega disse que a PEC interfere em direitos líquidos e certos, tanto do ponto de vista jurídico quanto do ponto de vista econômico, e destacou a possibilidade de criação de uma "bola de neve de impossível solução", com tendência de "estoque explosivo".
Já o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) avaliou que a PEC promove um calote técnico. Ele reconheceu que o governo buscou trabalhar numa solução paralela em conjunto com o STF, mas disse acreditar que o caminho ficou mais difícil após as falas de Bolsonaro no feriado.
"Depois desse 7 de Setembro, arrebentou a corda, romperam-se as pontes", disse.
(Por Marcela Ayres)