Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) -O Senado aprovou nesta quinta-feira, em dois turnos e por larga maioria dos votos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece um estado de emergência em virtude da alta dos preços dos combustíveis para ampliar auxílios já existentes e criar novos benefícios destinados a transportadores autônomos e taxistas, além de prever recursos a programa alimentar.
Aprovada por 72 votos a 1 no primeiro turno e por 67 a 1 no segundo --bem acima dos 49 votos exigidos--, a PEC contou com grande maioria dado o peso político de um posicionamento contra proposta que concede ajuda frente à escalada dos preços dos combustíveis, ainda que juridicamente a proximidade do pleito eleitoral pudesse servir de empecilho legal para a criação de novos benefícios.
Além de reconhecer o estado de emergência para criar o "voucher caminhoneiro" e de ampliar o Auxílio Brasil e o Auxílio Gás, o substitutivo apresentado pelo relator, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), foi complementado nesta quinta para incluir a concessão de um benefício destinado a taxistas e ainda um crédito suplementar a programa alimentar. O adendo ao texto de Bezerra ocorreu a partir de uma sugestão do líder do MDB, Eduardo Braga (AM).
Bezerra explicou que o auxílio a taxistas será regulamentado pelo Poder Executivo, mas a PEC já autoriza sua concessão até o limite de 2 bilhões de reais. A alteração no texto, assim como a previsão de suplementação orçamentária de 500 milhões de reais ao Programa Alimenta Brasil, contam com o aval do governo.
Segundo o líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), as conversas em torno da ampliação do leque de benefícios da PEC em 2,5 bilhões envolveram o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes.
A informação foi confirmada pelo líder do PL e filho do presidente da República, Flávio Bolsonaro (RJ).
Bezerra já havia, pouco antes, apresentado "ajustes" em seu texto, e apresentou o novo adendo para incorporar a sugestão acatada pelo governo relacionada aos taxistas.
"Desde a sessão de ontem, temos conversado com as lideranças da Casa e com o Governo para chegar a um texto de consenso e que alcance o objetivo maior de toda essa discussão: amparar os brasileiros que mais sofrem com os efeitos da crise econômica", disse o relator, referindo-se à tentativa de votação na véspera, adiada para esta quinta.
A votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ocorreu a cerca de 100 dias das eleições gerais de outubro e é apontada por críticos como eleitoreira.
NÚMEROS
O substitutivo já previa que o auxílio a transportadores autônomos de carga (TAC) 1000 reais por mês, a um custo de 5,4 bilhões de reais. Também estabelece um aumento de 200 reais no Auxílio Brasil, para 600 reais, além do aumentar o Auxílio Gás para valor equivalente a 1 botijão de gás por bimestre, e não mais meio botijão.
As novas despesas foram acordadas com o governo que, diante de uma arrecadação federal recorde, alimenta a expectativa de obter receitas extraordinárias decorrentes da privatização da Eletrobras (BVMF:ELET3), além de dividendos ao Tesouro devidos pelo Banco do Brasil (BVMF:BBAS3) e pela Caixa Econômica Federal.
"É essencial reconhecer que o país passa por uma situação de emergência provocada pelo forte aumento no preço dos combustíveis, com seus impactos diretos sobre o custo de vida, e indiretos, via efeitos de segunda ordem sobre a inflação. O reconhecimento do estado de emergência é importante", diz Bezerra no parecer da PEC, argumentando que o estado de emergência preenche condições do ordenamento jurídico para a criação do novo benefício.
"Não resta dúvidas de que esse benefício e o aumento dos valores transferidos para as populações de menor renda não são
políticas com fins eleitorais; são nada menos que as respostas necessárias que a população espera do Congresso Nacional para fazer frente a essa situação de forte aumento de preço de combustíveis", acrescentou o relator.
A proposta tem sido alvo de críticas. Mesmo se declarando a favor da concessão e ampliação dos benefícios, alguns parlamentares apontam que a iniciativa foi adotada pelo governo de olho nas eleições de outubro, quando Bolsonaro tentará a reeleição.
Para o líder da oposição no Senado, Jean Paul Prates (RN), a inflação e a alta dos combustíveis no país devem-se, em boa parte, à má condução da política econômica por parte do governo que, segundo ele, esquiva-se de assumir suas responsabilidades.
Prates, assim como outros senadores, apontaram que a liberação emergencial de aproximadamente 40 bilhões de reais visa a solução de problemas que já existiam antes, mas eram ignorados ou tinham soluções oferecidas pelo Congresso barradas pelo Executivo sob o argumento de se tratarem propostas "kamikazes".
"Temos agora elementos nessa proposta que parecem tencionar seu uso eleitoreiro, numa tentativa desesperada para usar a pobreza do povo como veículo para viabilização perante uma população sofrida. Causa a doença para depois vender remédio. Não pode este Senado Federal compactuar com essa situação", declarou o líder da oposição em plenário pouco antes da aprovação da proposta em segundo turno.
"Bolsonaro e Guedes ficaram inertes todo esse tempo, assistindo ao sofrimento do povo. O preço do petróleo no mercado internacional sobe desde 2021 e eles nada fizeram em relação ao PPI, adotado pela Petrobras (BVMF:PETR4)", disse. "Agora, a três meses das eleições, eles 'acordaram'. Por que será? Ainda assim, o PT não faltará com a população", discursou Prates, apontando ainda que a criação do estado de emergência teria o objetivo de "burlar a lei eleitoral".
A nova versão da PEC abandonou a ideia original de uma compensação a Estados que zerassem a tributação do ICMS sobre os combustíveis e o governo federal em caso de eventuais perdas de arrecadação nesse tributo.
(Edição de Pedro Fonseca e Alexandre Caverni)