Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - A Secretaria do Tesouro divulgou nesta segunda-feira uma nova proposta de âncora fiscal que visa substituir três regras atualmente em vigor por apenas uma, que limita o crescimento real dos gastos do governo federal à trajetória da dívida líquida.
Em linhas gerais, a regra propõe que quanto menor o nível da dívida líquida do governo, maior pode ser a taxa de crescimento real das suas despesas, e essa flexibilidade para gastar aumenta mais quando a dívida está em trajetória de queda na comparação com o período recente e também quando as contas forem superavitárias.
Atualmente, a principal âncora fiscal em vigor é o teto constitucional de gastos, que desde 2017 limita o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior.
Ao longo do mandato do presidente Jair Bolsonaro o teto foi ignorado em diferentes ocasiões, contribuindo para o descrédito da regra.
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que toma posse em 1º de janeiro, já afirmou que vai abolir o teto de gastos, mas ainda não apresentou uma proposta alternativa de âncora fiscal, provocando especulações nos mercados sobre suas futuras políticas econômicas.
Pelo menos desde 2019 o Tesouro discute a criação de uma regra para estabelecer uma âncora fiscal com base na evolução da dívida pública. Em agosto deste ano, técnicos do órgão anunciaram que o novo modelo poderia ser apresentado ainda em 2022, após as eleições.
Uma segunda proposta estava em elaboração no Ministério da Economia por encomenda do ministro Paulo Guedes, mas ainda não foi apresentada oficialmente. Segundo apresentação técnica feita por membro da equipe do ministro em evento fechado, a qual a Reuters teve acesso, essa regra autorizaria aumento real de gastos a depender do avanço do PIB e do nível da dívida pública bruta. Em períodos de recessão, a elevação das despesas seria liberada independentemente do nível de endividamento.
Nova proposta
Em texto para discussão divulgado na manhã desta segunda, o Tesouro ressaltou que a dívida líquida, e não a dívida bruta, “reflete melhor os impactos da política fiscal e minimiza constrangimentos na gestão da política monetária ou na gestão da dívida pública”.
Atualmente, a dívida líquida brasileira, que também leva em conta os ativos do governo, com destaque para as reservas internacionais, é de 58,3% do PIB.
De acordo com a proposta do Tesouro, com o indicador acima de 55% do PIB, as despesas poderiam crescer 0,5% ao ano em termos reais, mas apenas se a trajetória do endividamento estiver em queda. Caso ela esteja em alta, não poderia haver crescimento real dos gastos.
Com a dívida entre 45% e 55% do PIB, o crescimento real da despesa pode chegar a 1% ao ano se a trajetória for de queda, mas poderá ser apenas de 0,5% em caso de alta. Para dívidas abaixo desse patamar, o crescimento autorizado será de 2% ou 1% ao ano. Em todos os casos, o governo ganha um "bônus" no seu limite de crescimento da despesa de 0,5% se o resultado primário das suas contas for superavitário ou estiver acima de um determinado patamar.
A ideia é que os limites sejam estabelecidos a cada dois anos. A trajetória da dívida será considerada crescente quando a média do endividamento dos últimos 12 meses for superior à observada nos 24 meses anteriores.
O Brasil também tem que cumprir uma meta de saldo orçamentário primário estabelecida por lei todos os anos, e também a chamada regra de ouro, que impede o governo de emitir dívida para financiar despesas correntes, como salários e benefícios sociais.
Desde 2014, o governo central, composto pelo Tesouro, Banco Central e Previdência Social, apresenta déficits primários. Com os gastos públicos superando a receita, o governo tem buscado continuamente a autorização do Congresso para desrespeitar a regra de ouro.