Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) -O mercado brasileiro de comercialização de energia elétrica registrou novamente em agosto um volume maior de negociação de contratos de energia de curto prazo, tendência que começou a ser verificada em julho e que reverteu o alongamento dos prazos de contratos observado desde janeiro, segundo o Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE).
Ativos de curto prazo representaram 76% das operações fechadas em agosto na BBCE, plataforma eletrônica que concentra boa parte dessas transações do mercado livre de energia, o que demonstra "sinais de consolidação" da trajetória verificada desde o mês anterior, apontou Marcelo Bianchini, superintendente de Produtos, Comunicação e Marketing da BBCE.
O domínio dos negócios com foco no curto prazo, pelo segundo mês consecutivo, reflete uma volta ao comportamento mais comum do mercado de comercialização, que no início do ano enfrentou incerteza regulatória em meio a um cenário ainda ruim para as negociações com a ausência de volatilidade dos preços.
Em julho, os produtos de energia com vencimento de até 30 dias representaram 72,3% do total operado pela plataforma, que possui mais de 40 acionistas do setor elétrico, incluindo grandes empresas geradoras e comercializadoras.
Os dois últimos meses marcaram uma mudança do que se observava nas transações desde janeiro, quando os negócios com prazos superiores a um ano começaram a crescer no volume total.
No primeiro semestre deste ano, os negócios de "longo prazo" na BBCE, com prazo de mais de um ano, alcançaram 61% do total, quase o dobro da participação observada em 2022 e o triplo de 2021. Já os contratos de até 6 meses, que costumam ser os principais transacionados, representaram 26% no semestre, ante 43% em 2022 e 62% em 2021.
A mudança do perfil de negociação ocorre em um contexto de redução da liquidez dos produtos de longo prazo vis-à-vis os de curto prazo, embora o PLD -- preço de referência para o mercado livre de energia -- ainda continue no piso regulatório de 69,04 reais por megawatt-hora (MWh).
Gustavo Ayala, CEO do grupo de comercialização e geração Bolt Energy, aponta ainda que a incerteza regulatória em relação à definição do piso do PLD para 2024 estava pesando sobre as negociações no começo deste ano.
O limite mínimo do PLD foi alvo de uma disputa entre a agência reguladora Aneel e uma comercializadora no início do ano, com decisões judiciais que criaram receio no mercado de comercialização de energia por eventual impacto a todos os agentes do mercado.
"Isso não prosperou, voltamos a ter a certeza de um piso para 2024... Como não se sabia qual seria o preço mínimo, era melhor alongar (os contratos), e você foge da incerteza regulatória... Agora, sem a incerteza, e o preço está lá embaixo, você deixa para liquidar no curto prazo mesmo", explicou Ayala.
O executivo destacou, porém, que a perspectiva é de que os negócios de trading continuem mornos, diante dos preços baixos da energia no Brasil, em função da hidrologia favorável e da sobreoferta esperada no médio prazo, e da pouca volatilidade.
Mesmo uma eventual virada das condições climáticas, atualmente influenciadas pelo El Niño, provavelmente não alteraria de forma relevante a tendência dos preços, uma vez que ainda há muita oferta de energia, avaliou.
TRANSAÇÕES NO ANO
Segundo a BBCE, foram transacionados 25.634 gigawatts-hora (GWh) em agosto, alta de 23,5% em relação ao mesmo mês do ano passado. Já em volume financeiro, com o PLD no piso, foram 2,2 bilhões de reais, retração de 12,8% no comparativo anual.
Bianchini destacou que, em agosto, a plataforma observou dois movimentos de destaque. “O primeiro foi o fechamento da maior operação em tela de um produto anual, o que movimentou 20 megawatts médios (MWm). Outro é a participação da energia incentivada em 20,8% do volume total".
De janeiro a agosto, o volume total de energia transacionado na BBCE aumentou 19%, a 204.788 GWh, mas os valores financeiros caíram 24,7%, para 18 bilhões de reais.
(Por Letícia Fucuchima; edição de Marta Nogueira e Roberto Samora)