Natalia Kidd.
Buenos Aires, 19 fev (EFE).- A Argentina estendeu nesta semana o mecanismo de licenças não automáticas às importações sob o argumento de proteger a sua indústria da "concorrência desleal", uma medida que gerou inquietação e mal-estar entre exportadores do Brasil e Uruguai.
A resolução que estende a 200 produtos as licenças não automáticas, que na prática não impede, mas adia em até 60 dias o ingresso desses bens no país, foi alvo nesta sexta-feira de uma reunião ministerial em Buenos Aires entre os funcionários da Argentina e Brasil e de um chamado da ministra da Indústria argentina, Débora Giorgi, a Montevidéu.
Giorgi reiterou neste sábado em comunicado que a decisão de ampliar a lista de produtos aos quais se aplica esta normativa procura vigiar "o ingresso de produtos em condições de concorrência desleal e preservar 1 milhão de postos de trabalho argentinos".
Segundo alegaram as autoridades argentinas, a decisão adotada na terça-feira não lesa as normas da Organização Mundial do Comércio e se aplica a bens de setores que na Argentina reivindicaram proteção por suposta concorrência desleal a partir do exterior.
Pelos dados do setor, subiram para quase 600 as linhas tarifárias submetidas ao regime de licenças não automáticas, o que representa quase 20% do universo de bens importados em 2010.
Entre o fim de 2008 e início de 2009, quando explodiu a crise mundial, a Argentina tinha adotado licenças não automáticas e medidas "antidumping" (contra a concorrência desleal), o que motivou queixas a partir do Brasil e da China, seus maiores provedores externos.
Desta vez, a medida é adotada em um contexto de contração do superávit comercial argentino, por um crescimento das importações em maior velocidade do que as exportações.
Relatório recente do Banco Cidade indica que a medida "prevê manter sem sobressaltos o mercado cambial até o ingresso dos dólares da colheita de soja, previsto para o segundo trimestre" e cuidar das reservas monetárias internacionais "frente a um possível recrudescimento da saída de capitais em um ano eleitoral".
"Mas no fundo, a ampliação das licenças reflete uma estratégia defensiva, particularmente de setores substitutos de importações, que estão enfrentando tensões crescentes", assinalou a entidade.
Estas tensões têm a ver com a expansão da demanda acima da capacidade de produção e com uma perda de competitividade, o que "está gerando uma combinação de inflação e 'boom' de importações", indicou o banco.
Nesta sexta-feira, o ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior brasileiro, Fernando Pimentel, reconheceu que havia "certa inquietação no setor produtivo" de seu país pela medida adotada por Buenos Aires, embora tenha esclarecido que não havia nenhum mal-estar no Governo do Brasil com a nova resolução.
Depois de se reunir com Pimentel, Giorgi garantiu que as normativas "não afetam as vendas do Brasil à Argentina".
De qualquer maneira, os ministros acordaram a criação de uma comissão bilateral para supervisionar que o mecanismo de licenças não automáticas não atrase a chegada de produtos brasileiros à Argentina, cujo déficit comercial com o vizinho cresceu 172% em 2010.
A medida também causou preocupação no Uruguai, membro do Mercosul, junto com Argentina, Brasil e Paraguai.
O titular da comissão de comércio exterior da Câmara de Indústrias do Uruguai (CiU), Rafael Sanguinetti, disse à Agência Efe que a medida adotada pela Argentina "é injusta e paradoxal" e que causou "desconforto" entre os empresários uruguaios e afirmou que a resolução "passa por cima do espírito do Mercosul".
Por sua vez, o presidente da CiU, Washington Burghi, reivindicou ao Governo de José Mujica uma "reação firme" com relação à Argentina.
Para acalmar os ânimos, Giorgi ligou nesta sexta-feira ao ministro da Indústria uruguaio, Roberto Kreimerman, e garantiu esforços "para que não ocorra nenhum problema à importação a partir do Uruguai".
"Está certo o ingresso de produtos uruguaios", confirmou Giorgi, tal como prometeu para o Brasil. EFE