Eduardo Davis.
Brasília, 24 mar (EFE).- Nesta semana, o Mercosul completa 20 anos sem ter se consolidado como zona aduaneira comum, com o abismo econômico entre seus membros agravado pela decolagem do Brasil e uma relativa unidade política, não isenta de vaivéns.
O processo que começou em 26 de março de 1991 com a constituição do Mercosul com Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai como membros transitou ao longo de duas décadas com altos e baixos, mas o bloco também se transformou em uma referência política e econômica regional.
Somente três anos depois de sua criação, em dezembro de 1994, os quatro países-membros acertaram constituir um mercado comum que até agora não saiu do papel, mas que deverá virar realidade em 2019, como foi decidido na cúpula realizada na província argentina de San Juan, em 2010.
San Juan marcou "um antes e um depois", disse à Agência Efe o presidente do Senado, José Sarney, que há duas décadas, como chefe de Estado, participou do processo que conduziu à criação do bloco.
Na cúpula, os quatro parceiros chegaram a um acordo adiado durante anos sobre o Código Alfandegário Comum, que será adotado em 2019, e resolveram velhas disputas sobre a dupla cobrança da Tarifa Externa Comum, assim como outras relacionadas com a distribuição da renda aduaneira.
Apesar desses passos, nos aspectos técnicos ainda estão por resolver outras "imperfeições" do bloco, como as regras necessárias para uma real e livre circulação de bens produzidos no Mercosul, para as quais ainda não existem acordos plenos.
No plano econômico, também não foram superadas as enormes assimetrias entre os membros, que com a decolagem do Brasil na última década ficaram mais agudas e não foram superadas nem com o Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (FOCEM), criado em 2006 para ajudar no desenvolvimento dos parceiros menores.
Esses abismos econômicos sempre foram objeto de queixas de Paraguai e Uruguai, os dois membros de menor desenvolvimento relativo, mas nos últimos anos também deram origem a reivindicações da Argentina e abriram caminho para recorrentes surtos de protecionismo dentro do bloco.
No campo do comércio exterior, o Mercosul conta com acordos comerciais com a Comunidade Andina, Israel, Egito e outros países e blocos, mas ainda não conseguiu concretizar um convênio de livre-comércio com a União Europeia (UE), perseguido desde 2004 e cujas negociações foram retomadas lentamente em 2010 após anos estagnadas.
Na última década, graças em parte à vitória de governos de centro-esquerda nos quatro países, o Mercosul voou muito mais alto no plano político do que no econômico-comercial.
Nesta área foram registrados os avanços mais notáveis, como a constituição de um Parlamento regional e a criação de fóruns sociais, sindicais, de mulheres e assuntos trabalhistas, entre outros, assim como o estabelecimento de "observatórios" sobre direitos humanos e democracia.
Essa unidade política, no entanto, foi submetida a provas, como o conflito que o Uruguai teve com a Argentina por sua decisão de instalar uma fábrica de celulose em um rio na fronteira entre os países, ou a recorrente tensão entre Brasil e Paraguai pelos lucros da hidrelétrica de Itaipu.
Além disso, há quem ache que o Mercosul deveria se separar da política e se concentrar no âmbito econômico-comercial, como o ex-presidente uruguaio Luis Alberto Lacalle, um dos fundadores do bloco.
Para Lacalle, que falou à Efe por conta do aniversário, "o pior" nestes 20 anos foi "o desvio rumo ao Mercosul político".
Outro fator que gera dúvidas políticas é o lugar que o Mercosul ocupa hoje com o surgimento de outras iniciativas integracionistas, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), impulsionada pelo Brasil com a intenção de agrupar os 12 países da região em um bloco.
Segundo José Sarney disse à Efe, "essa suposta superposição de organismos não existe e é mais uma questão de siglas do que realidade", pois, no caso da Unasul, o bloco "funciona como organismo de coordenação regional" e carece da "força operacional" que tem o Mercosul.
Outro assunto não resolvido é a incorporação da Venezuela como membro pleno, já aprovada pela Argentina, Brasil e Uruguai, mas ainda pendente de uma decisão do Congresso paraguaio, onde há setores contrários devido ao suposto caráter "antidemocrático" do governo de Hugo Chávez. EFE