Por Eduardo Simões
SÃO PAULO (Reuters) - Em sua primeira fala após ser derrotado na eleição, o presidente Jair Bolsonaro adotou uma postura ambígua ao não reconhecer a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva e defender o direito de ir e vir, ao mesmo tempo que disse que seus apoiadores têm motivos para os protestos que bloqueiam estradas em todo o país.
Somente mais de 44 horas após a definição da vitória de Lula nas urnas, Bolsonaro falou sobre o resultado, em um pronunciamento de cerca de dois minutos e meio na tarde desta terça-feita.
Em sua fala, agradeceu os 58 milhões de votos que recebeu e, embora tenha defendido o direito de ir e vir, disse que as manifestações de bolsonaristas em rodovias são fruto dos sentimentos de indignação e injustiça com a maneira que se deu o processo eleitoral. Ao mesmo tempo, o presidente disse que seguirá os mandamentos da Constituição.
Como de costume, Bolsonaro foi dúbio em sua fala, o que não deve fazer com que as manifestações de seus apoiadores bloqueando estradas e defendendo o desrespeito ao resultado eleitoral arrefeçam. Além disso, lança um precedente inédito desde a redemocratização ao não reconhecer a vitória eleitoral do rival.
"Minha avaliação é de que o discurso é menos do que a civilidade democrática exige, não houve nenhum tipo de reconhecimento propriamente. Aquilo ou foi fruto de muita pressão de seus aliados para que ele falasse alguma coisa, ou até mesmo uma estratégia jurídica para que ele pudesse lá no futuro alegar que não tem responsabilidade de comando ou de incitação pelos atos que estão sendo praticados", disse o professor de Direito da USP Rafael Mafei.
"Honestamente, eu não consigo te dizer como isso vai afetar os manifestantes, porque seguramente os manifestantes recebem informações, orientações e comandos de outras fontes que não esse pronunciamento presidencial, outras fontes ligadas ao bolsonarismo", disse.
Para André César, analista político da Hold Assessoria Legislativa, o discurso de Bolsonaro pode resultar, na verdade, em uma mobilização maior de seus apoiadores radicais.
"Ele faz uma crítica aos manifestantes que estão nas estradas, mas sem buscar muita culpa. Não resolve, não baixa essa fogueira. Estamos vendo um movimento ainda forte ao redor do Brasil e o presidente, a fala dele, a rigor não tentou melhorar o quadro geral. Ele mantém a mobilização do eleitor mais radical dele, do eleitor mais extremista", disse.
Apesar da fala do presidente, apoiadores de Bolsonaro inconformados com o resultado da eleição continuavam a interditar mais de 200 pontos de rodovias federais em 20 Estados na noite desta terça-feira, mesmo diante de decisão judicial determinando o desbloqueio imediato das vias pela polícia. [L1N31X0ZP]
A ambiguidade de Bolsonaro, na avaliação do analista político e CEO da Dharma Political Risk, Creomar de Souza, acena tanto à classe política, quanto aos seus apoiadores, com um olho também sem seu futuro após deixar o governo.
"Bolsonaro joga um jogo para o sistema político, que já o rejeitou graças ao resultado (eleitoral), e outro para os seus eleitores que seguem amarrados a ele. Para estes, a fala de hoje é só mais um movimento genial do presidente com o objetivo de se colocar um passo a frente dos opositores", disse.
"O bolsonarismo funciona muito, como todo movimento extremista, nessa ideia de mensagem cifrada... A vantagem para Bolsonaro é que isso acaba sendo lido como uma demonstração de força. A ideia é criar e alimentar um comportamento paranóide dos apoiadores e dos opositores. Não admitir a derrota, trabalhar com mensagens dúbias, alimentar ambiguidades."
Para Creomar, com essa estratégia o presidente também acaba por concentrar as atenções do país e, mesmo derrotado eleitoralmente, esvazia a capacidade de opositores de pautarem o debate público.
Mafei, da USP, apontou como positivo o fato de, logo após a fala de Bolsonaro, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, ter assumido os microfones para dizer que o presidente havia autorizado a deflagração do processo de transição do governo.
"Acho que também para deixar muito claro que essa atitude pessoal do Bolsonaro, pelo menos no que depender de outras pessoas do governo, não vai contaminar a transição. Se teve alguma coisa de positivo foi isso", disse.
"Mostra o quanto o Bolsonaro está absolutamente derrotado e a perspectiva que ele tem de conseguir promover qualquer coisa não vai passar de uma arruaça desse tipo, de bloqueio de rua, de bloqueio de estrada, que eu não tenho expectativa de que dure muito mais tempo", avaliou.