Por Rodrigo Viga Gaier e Brian Ellsworth
RIO DE JANEIRO/SÃO PAULO (Reuters) - Uma multidão de bolsonaristas se reunia nesta quarta-feira em frente à sede do Comando Militar do Leste (CML), no centro do Rio de Janeiro, em um ato de cunho golpista que contesta o resultado da eleição presidencial e cobra uma intervenção militar.
Protestos similares aconteciam em São Paulo e em outras cidades, com os manifestantes carregando bandeiras do Brasil e gritando frases contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Espero que o Exército interfira nessa situação. Nós sabemos que essas eleições foram fraudadas", disse Reinaldo da Silva, 65, funcionário público aposentado, na frente do Comando Militar do Sudeste, na capital paulista.
Durante meses, Bolsonaro alimentou a desconfiança no processo eleitoral brasileiro com seguidos ataques, sem provas, contra a confiabilidade das urnas eletrônicas. No domingo, viu sua tentativa de reeleição fracassar com a vitória de Lula por uma margem estreita no segundo turno da eleição.
No Rio de Janeiro, duas faixas de uma das principais avenidas da região central da cidade foram tomadas por manifestantes que usavam camisas do Brasil e da seleção brasileira de futebol, uma marca dos atos favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro.
Os grupos bolsonaristas que se concentravam no centro do Rio fizeram ataques a Lula e algumas pessoas carregavam faixas com a inscrição “intervenção militar“, cobrando a aplicação do artigo 142 da Constituição, quem vem sendo interpretado de forma equivocada por apoiadores de Bolsonaro.
"Temos que ter intervenção federal; temos um Supremo vendido para o petista. Tem que pôr ordem no Brasil e só uma intervenção é capaz", disse uma manifestante que carregava um cartaz escrito em inglês "Sem intervenção esse país não tem jeito".
O Supremo Tribunal Federal (STF) já julgou, em diferentes casos, que o artigo 142 não permite a atuação das Forças Armadas como uma espécie de “Poder Moderador”.
Em resposta a pedido de comentário da Reuters, o Ministério da Defesa afirmou que "entende que manifestações, desde que ordeiras e pacíficas, são o exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de reunião, de acordo com os princípios constitucionais e as leis vigentes".
"Por fim, o Ministério da Defesa pauta-se pela Constituição Federal brasileira", acrescentou.
Paulo Chagas, general da reserva que em 2018 fez campanha para Bolsonaro, disse em mensagem à Reuters que "os militares conhecem muito bem o que chamam de dever".
"A Constituição Federal de 1988, como todas que a antecederam, não diz que os militares podem intervir na política", acrescentou.
O general Otavio Rêgo Barros, ex-porta-voz de Bolsonaro, disse em coluna publicada nesta quarta-feira que era hora de os perdedores da eleição cederem e pensarem no futuro do Brasil. Ele criticou "grupos desapetrechados de senso de responsabilidade" que ainda buscam, "por meio de provocações e desinformações, gerar fatos consumados que desestabilizem o tecido social enfraquecido".
"É verdade que vencidos, ainda sob o impacto das duras pelejas, relutam em acalmar seus corações e se apegam ao fio de esperança esgarçado de uma miragem que eles sabem não há condições de se concretizar", acrescentou.
Chagas e Rego Barros romperam com Bolsonaro por sua pressão sobre as Forças Armadas para apoiá-lo politicamente.
As manifestações deste feriado ocorrem em meio a protestos de caminhoneiros e bolsonaristas que bloqueiam várias estradas do país também em contestação ao resultado da eleição.
O presidente ficou 44 horas em silêncio após a definição da eleição no domingo e apenas no final da tarde de terça-feira fez seu primeiro pronunciamento público. O presidente não reconheceu explicitamente a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas disse que continuará cumprindo a Constituição.
Em sua fala, Bolsonaro fez questão de dizer que "os atuais movimentos populares são frutos de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral". Ainda assim, num recado aos manifestantes nas estradas, ressaltou que é preciso respeitar o direito de ir e vir.
Logo em seguida, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, disse que o presidente havia autorizado o início do processo de transição, o que foi avaliado pelo STF como o reconhecimento do resultado final das eleições.
Na sequência, o presidente se reuniu com sete ministros do Supremo em um encontro que teve tom cordial, segundo duas fontes ouvidas pela Reuters.
Na reunião, Bolsonaro levou a mensagem de que aceitou o resultado das urnas e informou que já estão sendo dados os primeiros passos para a transição de governo.
Nesta quarta-feira, a Casa Branca informou que está feliz em ver que Bolsonaro reconheceu o resultado da eleição.
SÍMBOLO MILITAR
Todos esses movimentos de Bolsonaro, no entanto, não arrefeceram o ânimo de grupos de seus apoiadores.
Nesta quarta, nem mesmo a chuva que atingia o Rio de Janeiro era capaz de dispersar a manifestação. Líderes bolsonaristas já vinham pedindo em grupos de mensagens apoio aos protestos nas estradas.
"Estou aqui com a minha família protestando contra esse processo eleitoral corrompido do qual o TSE foi partidário... as pessoas clamam por intervenção federal”, disse Charles Godinho.
O Comando Militar do Leste é um símbolo militar no coração do Rio de Janeiro e ali funciona o palácio Duque de Caxias, base das Forças Armadas para os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerias e Espírito Santo.
(Reportagem de Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro, e Brian Ellsworth, em São Paulo; Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu e Anthony Boadle, em Brasília; e Alexandre Caverni)