Por Anthony Boadle e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O ex-presidente Jair Bolsonaro desembarcou nesta quinta-feira em Brasília após três meses de exílio autoimposto na Flórida, sendo saudado por centenas de apoiadores no aeroporto e na sede do PL, onde discursou elogiando a oposição no Congresso e se defendeu de investigações que estão em curso contra ele.
As modestas aglomerações em torno da volta do ex-presidente contrastam com o plano das autoridades, que reforçaram a segurança em Brasília, fechando o tráfego ao longo do centro da cidade, temendo grande afluência de pessoas e para prevenir atos violentos, na esteira dos ataques de 8 de janeiro na capital.
"O Parlamento está nos orgulhando pela forma de agir lá dentro..., e mostrando para esse pessoal que, por ora, por pouco tempo, está no poder, que eles não vão fazer o que bem querem com o futuro na nossa nação", disse Bolsonaro em fala rápida nas instalações do PL, dono da maior bancada na Câmara e a segunda maior no Senado.
O ex-mandatário, cujo berço político é o Rio de Janeiro, decidiu morar em Brasília, onde vai ocupar o cargo de presidente de honra de seu partido sob os apelos da legenda para que lidere a oposição a Luiz Inácio Lula da Silva.
Antes de embarcar em um avião em Orlando, Bolsonaro minimizou seu papel de liderança e disse que usará sua experiência para ajudar nas eleições municipais, acrescentando que a eleição em outubro é um capítulo encerrado, após meses sem reconhecer cabalmente a derrota para Lula.
Na sede o partido nesta quinta-feira, ele acenou de uma janela aos apoiadores que estavam do lado de fora com bandeiras de Brasil e saudando-o com gritos de "mito". Depois, concendeu uma entrevista transmitida pelas redes sociais do PL.
Na conversa, Bolsonaro defendeu a Comissão Parlamentar de Mista de Inquérito (CPMI) que a oposição tenta instalar no Congresso, ainda sem as assinaturas necessárias, sobre os ataques violentos de janeiro em Brasília, que foi liderado por seus apoiadores.
O ex-presidente, que é alvo de um inquérito que apura o episódio no Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a comissão vai passá-lo em "pratos limpos".
Além disso, Bolsonaro comentou os milionários presentes ofertados a ele pelo governo saudita, reafirmando que não há ilegalidades no caso, investigado por várias instituições, entre elas a Polícia Federal (PF), a Receita Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU).
"Quem classifica se é acervo pessoal ou público não sou eu", disse ele, que recebeu ordem do TCU para que devolva dois dos pacotes de presente saudistas que estavam com ele por considerá-los acervos obrigatoriamente públicos.
O ex-presidente está intimado pela PF a depor sobre as joias em 5 de abril. Segundo uma fonte da polícia, o depoimento deve ser por videoconferência, já que a investigação corre em São Paulo.
DESAFIOS E PLANALTO
O avião que trouxe Bolsonaro dos EUA pousou às 6h40 em Brasília, meia hora antes do previsto, quando o saguão do aeroporto já abrigava seguidores como o pequeno comerciante Anderson Clayton, de 45 anos, envolto em uma bandeira do Brasil.
"Estamos aqui para receber nosso presidente. O trabalho dele será colocar ordem nessa confusão. O governo Lula só está fazendo tudo errado", disse Clayton, que defende que Bolsonaro possa concorrer novamente.
"Se não ele, alguém com suas crenças", reforçou.
Mobilizar os 58 milhões de eleitores que votaram nele no ano passado não será uma tarefa fácil para o ex-capitão do Exército, segundo analistas políticos. Muitos rivais em potencial à direita têm a vantagem de ocupar cargos públicos nos próximos anos.
"Se Bolsonaro não puder mostrar rapidamente que pode liderar, a direita vai procurar outros líderes, como os governadores de São Paulo e Minas Gerais", disse André Cesar, da Hold Legislative Advisors, uma consultoria de políticas públicas.
Bolsonaro também prejudicou sua posição com muitos partidos de centro-direita após os atos de 8 de janeiro, disse Leonardo Barreto, da Vector Relações Governamentais.
Ainda assim, o ex-presidente conta com uma fiel base e uma articulada estrutura nas redes sociais. Ele também deve calibrar seus planos com a popularidade de sua esposa Michelle, que está emergindo como uma figura carismática dirigindo o PL Mulher.
Barreto disse que as ambições da ex-primeira-dama podem fornecer uma saída para os apoiadores do ex-presidente se as investigações levarem as autoridades eleitorais a impedir Bolsonaro de disputar eleições.
Na entrevista nesta quinta-feira, Bolsonaro voltou a dizer que Michelle não tem interesse em cargos do Executivo, porque "não tem essa vivência política", mas deixou a porta aberta para demais postos.
No Palácio do Planalto, a ordem é ignorar a volta do ex-presidente ao Brasil e não tecer comentários ou mudar qualquer programação por causa da presença dele em Brasília, disseram fontes ouvidas pela Reuters.
No entanto, Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, alfinetou Bolsonaro nesta quinta-feira. Disse que a recepção ao ex-mandatário "flopou", apesar da mobilização articulada por seus correligionários na última semana.
(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu e Fernando Cardoso)