Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, que foi ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para não depor à CPI mista que investiga os ataques de 8 de janeiro, após a revelação feita pela revista Veja de que a Polícia Federal encontrou no celular dele um documento com instruções para um suposto golpe de Estado.
A defesa de Cid pediu na noite de quinta-feira que o ex-auxiliar de Bolsonaro não seja obrigado a comparecer à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito e, se for, que possa permanecer em silêncio para não produzir provas contra si. A CPMI ainda não marcou data para depoimento do militar.
Cid foi preso pela PF em 3 de maio por uma outra investigação, a que apura a suspeita de fraude em cartões de vacinação de Bolsonaro e de pessoas próximas a ele para não se vacinarem contra a Covid. Foi nessa ocasião que o celular do ex-auxiliar presidencial foi apreendido.
Segundo reportagem da Veja, um documento apócrifo identificado no celular de Cid pela PF era intitulado "Forças Armadas como poder moderador". O texto traça, segundo a publicação, um roteiro com uma série de ações para derrubar poderes legalmente constituídos, como a remoção de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Essa tratativa estaria ocorrendo após Bolsonaro ter sido derrotado pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva na corrida ao Palácio do Planalto em outubro do ano passado.
Além do documento, a PF também identificou no celular de Cid uma conversa com o coronel Jean Lawand Junior, então subchefe do Estado Maior do Exército, que pressionava o então assessor de Bolsonaro a dar um golpe de Estado, segundo a Veja.
Em uma das ocasiões, o auxiliar respondeu a Lawand Junior: "Mas o PR (presidente da República) não pode dar uma ordem... se ele não confia no ACE", uma referência ao Alto Comando do Exército. Em outro momento, instado, ele disse ao militar: "Muita coisa acontecendo", de acordo com a revista.
Procurada pela Reuters, a defesa de Cid disse que "todas as manifestações defensivas serão feitas apenas nos autos do processo". O advogado Fábio Wajngarten, que tem atuado na comunicação de Bolsonaro, disse que o ex-presidente não é citado. Não foi possível localizar Lawand Junior ou representantes de imediato.
Punições
Em nota, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que, a propósito da troca de mensagens entre Lawand Junior e Cid, que "opiniões e comentários pessoais não representam o pensamento da cadeia de comando do Exército Brasileiro e tampouco o posicionamento oficial da Força", destacando ser uma instituição de Estado e apartidária.
O Exército ressaltou que "eventuais condutas individuais julgadas irregulares serão tratadas no âmbito judicial, observando o devido processo legal" e que, na esfera administrativa, "as medidas cabíveis já estão sendo adotadas no âmbito da Força".
O coronel Lawand Junior serve atualmente no Escritório de Projetos Estratégicos do Estado-Maior do Exército, acrescentou.
Questionado sobre o caso, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse nesta sexta-feira que qualquer servidor público, inclusive militares, que tiver comprovado o envolvimento na preparação da tentativa de golpe de Estado tem de ser punido e afastado de cargos de revelo.
"Qualquer servidor, seja civil ou militar, que for provado envolvimento na preparação, no planejamento dos atos de 8 de janeiro tem que ser punido e afastado de qualquer espaço de direção", disse.
Padilha destacou que, após a tentativa de golpe, Lula foi explícito para que instituições como a Polícia Federal e o Judiciário apurassem a responsabilidade dos envolvidos.
A agenda de Lula foi atualizada nesta sexta-feira para incluir reunião com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o comandante do Exército, general Tomás Paiva. O tema do encontro não foi divulgado.
O documento com supostas instruções de um golpe de Estado encontrado no celular de Cid se soma a outro que foi encontrado durante busca e apreensão em janeiro feita na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres.
Esse documento foi incluído na ação do TSE que será julgada na próxima quinta-feira que poderá tornar Bolsonaro inelegível por abuso de poder político por ele ter feito, em meados do ano passado, ataques ao sistema eleitoral em reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada.
(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu)