Por Eduardo Simões e Andre Romani e Leonardo Benassatto
SÃO PAULO (Reuters) -Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro inconformados com o resultado da eleição continuavam a interditar quase 200 pontos de rodovias federais em 19 Estados na noite desta terça-feira, apesar de decisão judicial determinando o desbloqueio imediato das vias pela polícia e de declaração do presidente defendendo o direito de ir e vir da população.
Os protestos, que já provocam problemas pontuais de abastecimento, foram iniciados enquanto Bolsonaro permanecia por mais de 44 horas sem reconhecer os resultados eleitorais que deram no domingo a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um terceiro mandato na Presidência.
Bolsonaro só comentou o resultado das eleições no fim da tarde desta terça, quando disse que continuaria “cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição” e que as manifestações deveriam respeitar o “direito de ir e vir”. Enquanto o presidente não se pronunciava, seu silêncio foi interpretado por alguns apoiadores como parte de um processo que supostamente permitiria uma intervenção militar.
"A gente não pode aceitar ser governado por um ladrão. A gente não vai aceitar, mesmo que ele (Bolsonaro) fale que é para a gente acalmar os ânimos, para a gente não reagir, a gente vai reagir sim porque a gente não aceita o governo do Lula", disse a manifestante Karina Laurinda, de 34 anos, que participou de protesto em Guarulhos.
O pronunciamento de Bolsonaro não tratou exatamente de esfriar os ânimos, apesar de ter defendido o direito e ir e vir de todos.
"Os atuais movimentos populares são frutos de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral", fez questão de destacar o presidente. Ainda que tenha completado: "As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedade, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir".
Mais tarde, o ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, divulgou comunicado pedindo aos manifestantes apoio no sentido de garantir a circulação em nossas rodovias de medicamentos, insumos, bens e combustíveis.
"Trabalhamos para que a livre circulação de pessoas e veículos seja retomada o quanto antes. Além de assegurar o direito de ir e vir de nossa população, é fundamental manter o funcionamento de serviços essenciais e o transporte rodoviário de cargas, de forma que não haja qualquer tipo de desabastecimento em nosso país", afirmou.
Antes do pronunciamento do presidente, havia entre os manifestantes a expectativa de que Bolsonaro dessa alguma tipo de orientação para eles. "Estamos esperando uma resposta do nosso presidente, e o sentimento hoje no Brasil é de que essas eleições foram fraudadas", afirmou um caminhoneiro parado na rodovia Rio-Magé.
REFORÇO
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o desbloqueio imediato das vias tanto pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) como pelas polícias militares estaduais, o que levou governadores a acionarem suas forças de segurança. A PRF pediu também o reforço da Polícia Federal e da Força Nacional para lidar com os bloqueios nas rodovias.
Em São Paulo, após ordem do governador Rodrigo Garcia (PSDB), a Polícia Militar começou a desbloquear vias estaduais.
Um dos primeiros protestos dissolvidos foi na rodovia que leva ao aeroporto de Guarulhos, o maior do Brasil, onde o bloqueio na noite de segunda-feira levou ao cancelamento de 25 voos, segundo a concessionária que administra o aeroporto.
O governador paulista criticou a contestação das urnas. "As eleições acabaram, nós vivemos num país democrático, São Paulo respeita o resultado das urnas e nenhuma manifestação vai fazer com que a democracia do Brasil retroceda", disse o tucano, que apoiou Bolsonaro no segundo turno. "Aos vencedores o mandato, aos perdedores o reconhecimento da derrota", seguiu.
Também nesta terça, outros governadores que apoiaram Bolsonaro, como o mineiro Romeu Zema (Novo) e Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, disseram no Twitter que autorizaram a desobstrução das rodovias de seus Estados por forças de segurança.
Em Santa Catarina, Estado mais impactado pelos bloqueios e interdições em rodovias federais, o governador Carlos Moisés (Republicanos) escreveu na rede social que "todos os meios legais e necessários serão empregados para garantir a segurança das pessoas e o livre trânsito de pessoas e veículos".
De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal, havia 190 pontos de bloqueio ou interdição em estradas de 19 Estados por volta de 20h30. O número representou uma leve queda em relação a balanço das 14h30, que havia apontado 230 pontos de bloqueio ou interdição em estradas de 21 Estados e do Distrito Federal.
Os Estados mais afetados eram Santa Catarina, Mato Grosso e Pará. Apenas Amapá, Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe não registravam protestos em rodovias federais.
A PRF disse que 419 manifestações foram desfeitas e que foram realizadas 438 autuações referentes à obstrução das rodovias federais.
Os bloqueios começavam a causar desabastecimento nos supermercados, de acordo com a Associação Brasileira dos Supermercados (Abras), bem como problemas de produção no setor de veículos.
Além disso, alguns frigoríficos devem paralisar abates a partir de quarta-feira caso as manifestações continuem, conforme fonte a par do assunto.
MORAES
Na noite de segunda-feira, Moraes determinou que forças policiais tomassem todas as medidas necessárias para desobstruir rodovias bloqueadas por protestos que eram "antidemocráticos".
Na decisão, ele citou vídeos que mostravam a "passividade" da PRF e também determinou que o diretor-geral da instituição, Silvinei Vasques, adotasse imediatamente todas as medidas necessárias para a desobstrução das vias sob pena em caráter pessoal de multa de 100 mil reais, além de prever, "se for o caso" o afastamento do dirigente de suas funções e a prisão em flagrante pelo crime de desobediência.
Já nesta terça, em outra decisão, Moraes disse que as Polícias Militares dos Estados têm poder para desobstruir as estradas, mesmo as que sejam de responsabilidade federal, e mandou que os governadores de Estado e os comandantes-gerais da PMs sejam notificados.
Até o início da tarde, a determinação do ministro havia sido referendada por 9 dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal.
O PT tem cobrado que o governo Bolsonaro resolva a crise com os bloqueios dos caminhoneiros. Lula não se pronunciou sobre o caso até o momento.
(Reportagem adicional de Ana Mano, Gabriel Araújo, Brian Ellsworth, Peter Frontini e Fernando Cardoso, em São Paulo, e Ricardo Brito e Maria Carolina Marcello, em BrasíliaEdição de Alexandre Caverni, Flávia Marreiro e Pedro Fonseca)